sábado, 30 de janeiro de 2010

2010 - ANO CHOPIN > > > Parte 5 > > > "CORAÇÃO DO GÊNIO", por Janusz Ekiert (4ª Parte)


Por Francisco José dos Santos Braga



Nesta Parte 5 da série de ensaios dedicados a 2010 - ANO CHOPIN, trago minha tradução para esta 4ª e última parte do ensaio intitulado "Coração do Gênio", de autoria do musicólogo polonês Janusz Ekiert, como parte das homenagens que o Blog do Braga presta ao 200º aniversário do nascimento do grande pianista e compositor polonês Fryderyk Chopin.

Paris

Com o seu agudo senso e dom para improvisação, Chopin rapidamente conquistou os salões parisienses e se achou entre a elite artística. Sua vida era preenchida com saraus e lições que dava sobretudo às pianistas aristocratas por extravagante remuneração. Tornou-se amigo de Liszt, de Mendelssohn — que o chamava de Chopinetto, — de Meyerbeer, de Halévy, de Heine. Encontrou-se com Mickiewicz que, sem sucesso, tentou conseguir que ele compusesse uma ópera nacional.

Passava os verões em Le Coteau em Touraine e em Enghien nos arredores de Paris, — conforme recomendado pelos médicos. Enghien era a localidade onde Delfina Potocka, uma linda aristocrata polonesa e cara amiga de Chopin, frequentemente passava o verão; ali perto, em Saint Gratien, o marquês de Custine, a quem Chopin fazia visitas, tinha seu palácio.
Chopin também visitava Niemcewicz, um ilustre representante dos círculos de refugiados políticos, na próxima Montmorency.
Embarcou numa diligência para fazer surpresa aos pais e encontrou-os em Karlsbad¹.
Depois decidiu encontrar-se com Schumann em Leipzig. A opinião de Schumann sobre Chopin reza: "Hut ab, meine Herren, ein Genie." (Cavalheiros, tirem o chapéu, aqui está um gênio.)

Viajou nove dias de Paris a Marienbad para encontrar-se com Maria Wodzińska, irmã de um colega. Foi o mês mais feliz em sua vida. Quando os turistas tomaram conhecimento de que ali se encontrava Chopin, tentaram fazer amizade com o polonês, cuja fama se estendeu de Paris para lá. Mas os seus esforços foram em vão. Chopin estava ocupado com Maria Wodzińska , acompanhada por sua gentil mãe. Tocava para Maria no salão. De bom grado tocava os dois primeiros Estudos do Opus 25, em Lá Bemol Maior e em Fá Menor, sendo o último considerado o retrato musical de Maria. Ela o chamava de "carissimo maestro" e pintou um retrato dele em aquarela. Podiam conversar durante horas; passeavam nas calmas noites de luar, trocavam ternos olhares, mas Chopin declarou-se a ela somente mais tarde, em Dresden, aonde foram juntos. Porém, o pai dela opôs-se decididamente ao casamento deles, argumentando que o nome de família dela predestinava-a a viver num palácio, algo que Chopin não podia garantir-lhe. Após romper seu relacionamento com Maria Wodzińska, aquele gênio do piano amarrou com uma fita o pacote de cartas dela e escreveu "Moja bieda" (Minha desgraça) sobre ele.

Nos salões parisienses Chopin continuava a receber homenagens e sentia-se tratado como ídolo.Certa noite, uma dama que se distinguia pelo vestuário excêntrico, deu-lhe um bilhetinho que dizia: "On vous adore." (O senhor é adorado). Dessa maneira iniciou George Sand uma relação amigável com ele. A consequência disso foram férias passadas juntos, primeiramente em Majorca e, depois, durante os próximos sete anos, na propriedade dela em Nohant. Os amantes vinham habitualmente em maio e permaneciam lá até outubro. Aí Chopin compôs muito de sua música. Longe das lições e dos salões encontrava, no quarto de cima, sossego que o deixava escrever. Nos três últimos anos de vida, quando não mais ficava ali, já não escrevia quase nada. Em Nohant George Sand escrevia seus romances, cristalizava doces e confidenciava: "Em Paris, engordo no corpo e emagreço no espírito".

Na atmosfera da casa de campo dela, no clima suave da França central, nas proximidades do rio Indre, entre seus amigos parisienses, que eram suas visitas regulares, George e Chopin passavam o tempo caçando, pescando, passeando a pé, dirigindo uma carruagem, andando a cavalo ou em burrinho. Quando o burrinho que levava Chopin empacava, George cutucava a anca do animal com a sua sombrinha. Frequentemente eram convidados a se hospedar Liszt, Eugène Delacroix, Pauline Viardot, Pierre Leroux, um dos fundadores de uma nova teoria social, e Wojciech Grzymała, outro polonês refugiado político. Nos longos períodos chuvosos, Chopin mantinha-se compondo. Às vezes ficava sozinho em casa, quando a anfitriã e os convidados saíam em excursão. Aí escreveu ou burilou as Sonatas em Si Bemol Menor e também em Si Menor², a Fantasia em Fá Menor³, os Scherzos em Dó Sustenido Menore em Mi Maior⁵, as Baladas em Lá Bemol Maiore em Fá Menor⁷, as Polonaises em Fá Sustenido Menore em Lá Bemol Maior⁹ e a Polonaise-Fantasia¹⁰. Aí compôs as Marzurcas Opus 56¹¹, os Noturnos em Dó Menor e Fá Sustenido Menor Opus 48¹², os Noturnos Opus 55¹³, o Prelúdio em Dó Sustenido Menor Opus 45¹⁴ e o Allegro de concert¹⁵.

Nos arredores era famoso o teatro de fantoches criado por George Sand. Os fantoches da famosa escritora parodiavam muitas pessoas do seu círculo, incluindo os empregados domésticos. Com o bilhar, esse teatro era seu "hobby". Ela própria produzia vestidos para as comédias e dramas improvisados, tendo-lhes dedicado várias páginas de suas memórias:
"Tudo começou com uma pantomima, que foi idéia de Chopin. Ele improvisava no piano, enquanto que o rapaz executava várias cenas com danças cômicas. Tínhamos também desenhado trajes, que então usávamos para diferentes papéis. Chopin, de sua parte, assim que via o ator em cena, com incrível habilidade, adaptava tanto o conteúdo quanto a forma de sua música ao papel do ator."
Talvez tenha sido em tais circunstâncias que Chopin compôs em Nohant sua Tarantella, sobre a qual escreveu a seu amigo Julian Fontaine: "Espero não escrever nada de pior tão cedo."

Mimado, cuidado e assistido em suas frequentes indisposições, foi com crescente dificuldade que o compositor, no entanto, suportava as férias em Nohant. Sofria de insônia e ficou cada vez mais irritadiço. A atmosfera tornou-se tensa, estragando seu velho idílio. Quando as crianças de George Sand começaram a crescer, atribuíram a essa decadência a mútua animosidade entre Chopin e Maurice, o filho dela, e a correspondida afeição por Solange, a filha rechonchuda de George, conhecida por Koko.

Epílogo


Chopin visitou pela última vez Nohant em 1846. Após o rompimento, George Sand destruiu tudo o que compunha a decoração interna do quarto de Chopin, incluindo o papel de parede. Defendeu sua atitude dizendo que temia o vírus da tuberculose. O orgulho impediu Chopin de retomar a relação rompida, apesar de terem se encontrado em Paris e ela ter-lhe estendido o ramo de oliveira¹⁶. Após o rompimento, Chopin partiu para a Inglaterra e Escócia por vários meses (em 1837 havia estado antes em Londres). Convidaram-no as suas alunas e admiradoras escocesas, especialmente Senhorita Stirling, sobre as quais escreveu numa carta à sua família: "Elas querem asfixiar-me de amor e eu, por gentileza, não quero recusar-lhes isso". Retornou um homem doente. A morte lhe veio em 17 de outubro de 1849. Foi enterrado no cemitério do Père-Lachaise, mas o coração de Chopin lhe foi retirado do peito. Sua irmã Ludwika contrabandeou o pote contendo o coração no álcool (que ela havia escondido sob seu vestido) através da fronteira do império russo até Varsóvia. Muitos anos mais tarde, o coração do gênio foi enterrado na parede da nave da Igreja da Santa Cruz em Varsóvia.

Por acaso os pianistas de hoje em dia que interpretam as obras chopinianas devem conter o próprio arrebatamento pela riqueza das sonoridades e imensa escala de estados psicológicos de Chopin? Ou ainda pela inédita acumulação de detalhes, de origens e ligações genéticas de sua música? Ou finalmente pela sua melodia operística? As obras de Chopin incluem todos os tipos de rubatos, essa leitura musical com irresolução rítmica ditada pelo sentimento, mas tudo dentro de um contexto de acompanhamento rítmico rigoroso. Aí é possível ouvir todos os tipos de rubatos que os cantores italianos tinham inventado e burilado, durante os últimos trezentos anos. Aí o forte sentimento nacionalista de Chopin emana de suas Polonaises, Mazurcas, alguns dos Estudos, talvez mesmo da amargura dos seus Scherzos e do caráter narrativo das suas Baladas.

Suas composições condensam o espírito nacional polonês e também exibem um pouco da elegância e do refinamento franceses, às vezes um pouco de ironia francesa igualmente. As Valsas preservam a atmosfera dos salões varsovianos e parisienses. Representam o estilo brilhante seus juvenis Rondós, Variações, Polonaises e Concertos. Elas (as composições de Chopin) exemplificam as harmonias que anunciam Wagner, idéias que proclamam a autonomia da cor do som na música contemporânea, experimentos a partir da esfera da Acústica e da Psicologia da Audição¹⁷ (o início do Noturno nº 1 em Dó Sustenido Menor Opus 27), tudo chancelado pela personalidade única de Chopin, personalidade esta que, no entanto, não bloqueia nem proíbe de revelar sua gênese e caráter envolvidos.


¹ Cidade famosa pelas suas águas termais, era conhecida como Carlsbad durante o Império Austro-Húngaro. Atualmente, esta cidade chama-se Karlovy Vary e fica na República Tcheca.
[N.T.]
² Sonata nº 2 em Si Bemol Opus 35 (1839). Esta sonata possui no terceiro movimento, Lento, a célebre Marcha Fúnebre.
E também Sonata nº 3 em Si Menor Opus 58 (1844) [N.T.]
³ Opus 49 (1841) [N.T.]
⁴ Scherzo nº 3 (1839) [N.T.]
⁵ Scherzo nº 4 (1842) [N.T.]
⁶ Balada nº 3 (1840-1841) [N.T.]
⁷ Balada nº 4 Opus 52 (1842) [N.T.]
⁸ Polonaise Opus 44 (1841) [N.T.]
⁹ Polonaise Opus 53 "Heróica" (1842) [N.T.]
¹⁰ Polonaise-Fantasia em Lá Bemol Maior Opus 61 (1845-1846) [N.T.]
¹¹ 3 Mazurkas nº 1 em Si Maior, nº 2 em Dó Maior e nº 3 em Dó Menor (1843) [N.T.]
¹² 1841 [N.T.]
¹³ Noturnos em Fá Menor e em Mi Bemol Maior (1843) [N.T.]
¹⁴ 1841 [N.T.]
¹⁵ Allegro de Concert em Lá Maior Opus 46 (1832-1841) [N.T.]
¹⁶ Entre os antigos gregos, portar um ramo de oliveira estendendo-o a alguém significava suplicar o favor dessa pessoa. Nesse caso, o ramo de oliveira (ou ramo de suplicante) é usado pelo autor em sinal de "súplica". [N.T.]
¹⁷ A Psicologia da Audição é parte integrante das ciências da audição que estudam como o som é transmitido, percebido e processado, envolvendo, entre outros, aspectos fisiológicos do sistema auditivo. Além de psicólogos, estão interessados nos seus resultados: audiólogos, fisiólogos sensoriais, engenheiros de áudio, otólogos e neurocientistas no campo da percepção auditiva.
Por exemplo, é muito estudado o fenômeno da audição humana conhecido como "mascaramento", em que a resposta a um estímulo é reduzida na presença de outro, isto é, dois sons chegam mas apenas um som é ouvido. Isso é particularmente evidente no caso da intensidade, quando um som é mais alto do que o outro.
A frequência também tem influência no fenômeno do mascaramento: um som mais alto ouvido numa frequência impede que sons mais suaves próximos à frequência sejam ouvidos. Contudo, nem todas as frequências mascaram do mesmo jeito. As baixas frequências mascaram muito pior do que as frequências de faixa média. [N.T.]



* Francisco José dos Santos Braga, cidadão são-joanense, tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Além de escrever artigos para revistas e jornais, é autor de dois livros e traduziu vários livros na área de Administração Financeira. Participa ativamente de instituições no País e no exterior, como Membro, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ e Fundação Oscar Araripe em Tiradentes-MG. Possui o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com), um locus de abordagem de temas musicais, literários, literomusicais, históricos e genealógicos, dedicado, entre outras coisas, ao resgate da memória e à defesa do nosso patrimônio histórico.Mais...

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

2010 - ANO CHOPIN > > > Parte 4 > > > "CORAÇÃO DO GÊNIO", por Janusz Ekiert (3ª Parte)


Por Francisco José dos Santos Braga



Nesta Parte 4 da série de ensaios dedicados a 2010 - ANO CHOPIN, trago minha tradução para esta 3ª parte (em continuação) do ensaio intitulado "Coração do Gênio", de autoria do musicólogo polonês Janusz Ekiert, como parte das homenagens que o Blog do Braga presta ao 200º aniversário do nascimento do grande pianista e compositor polonês Fryderyk Chopin.

O Drama

Suas quatro Baladas são as que melhor ilustram isso. Uma vez deixou escapar que tinha sido inspirado pelas baladas de Mickiewicz, mas depois se espalharam informações — de segunda ou terceira mão — de que fora influenciado por "O Świteź", "Switezianka¹" e "Konrad Wallenrod" de Mickiewicz.
As Baladas de Chopin têm realmente caráter narrativo, mas o progresso do drama sonoro ou as mudanças na atmosfera da segunda, terceira e primeira baladas não correspondem ao desenvolvimento dos acontecimentos nas obras de Mickiewicz. Nas Baladas e no finale da Sonata em Si Menor, Chopin transforma, de forma engenhosamente inventiva, a mesmíssima melodia. Quando ela aparece pela segunda ou terceira vez, o seu caráter modifica-se às vezes radicalmente. Aqui calmo e lírico, ali rude e dramático; por um lado, delicadamente dissimulado, por outro lado, brilhante pelo virtuosismo. Liszt e Wagner, e depois outros românticos, adotaram os métodos dele de modificar o Motif e deles fizeram seu princípio. Neles, o Motif ou tema e suas metamorfoses simbolizam o herói e seu mutante estado de espírito, transformações espirituais e novas situações em que se encontrou. Chopin não emprega qualquer roteiro literário; nenhum de seus títulos o sugere. Em suas Baladas e Scherzos cria como que aventuras de pura emoção, de puros estados de espírito, separados de qualquer pessoa ou acontecimentos definidos. E mesmo se compõe sob a influência de recordações pessoais, de lições escolares de história, do heróico passado da Polônia, do convento dos cartuxos em Valldemosa e do mau tempo em Majorca, da leitura de um poema de Heine ou Mickiewicz, mesmo se ele nos deixa supor que sua música nos conta algo, frequentemente o importante fio da meada é inteiramente transformado e irreconhecível. Chopin cria um teatro em que os heróis são só as melodias e harmonias no cenário de um múltiplo movimento e intensidade de sons, de suas interessantes estruturas, de exageros rítmicos e melismas. Ele exibe o encanto do mistério.

Dentre os seus quatro Impromptus, o caráter e a forma daquele composto em tonalidade de Fá Sustenido Maior² diferem dos outros. O desenvolvimento narrativo da frase e o humor reflexivo aproximam-no da balada. Certas seções criam antes uma ilusão de um diálogo do que de um contraste de temas. Deixam impressão não de desenvolvimento de idéias musicais, mas de seu alinhamento de acordo com alguma lógica misteriosa.
Mais distintos são os incidentes e arrebatamentos, experiências pessoais e artísticas, que deixaram seu traço nas suas obras juvenis, embora se façam lembrar também nas obras posteriores.

Chopin visitava com frequência as livrarias de música, sobretudo a de Brzezina, onde avidamente absorvia todas as novidades que vinham do estrangeiro, as composições de pianistas europeus famosos, como Hummel, Field, Moscheles, Weber, e onde se familiarizava com o difundido estilo brilhante. Foi encantado pela ópera. Não perdia uma única representação. Trasladava para o piano os segredos do canto e dos cantores, suas fantasiosas ornamentações das melodias, comparadas a beleza e sedução do bel canto a cordões de pérolas, à renda, a fitas ou a fogos de artifício. Em Paris, adorava o deus da melodia italiana — Bellini. Em alguns Noturnos de Chopin podemos sentir a influência da oração da sacerdotisa dos gauleses, "Casta Diva" da "Norma" de Bellini.

Todos os anos, durante as férias de verão no campo, embebia-se nas singularidades do folclore musical polonês, seus arcaísmos ásperos e roucos, bordões, antigas escalas sacras, "Hohlquint", a quarta lídia, a originalidade do tempo e ritmo.

Varsóvia

Chopin foi educado em Varsóvia em companhia dos meninos de famílias abastadas, que viviam na pensão dirigida por sua mãe. O pai francês, Nicolau Chopin, filho instruído de um camponês de Vosges, proprietário de vinhas, chegou à Polônia para fugir ao serviço militar no exército de Napoleão. Era professor particular de famílias aristocráticas, e então se tornou professor de francês no Liceu Varsóvia, frequentado por seu filho Fryderyk. A mãe de Fryderyk, Justyna Krzyżanowska, administrava a casa da condessa Ludwika Skarbkowa em Żelazowa Wola, nos arredores de Varsóvia. Esta última era prima distante de Justyna, órfã originária de família empobrecida. Nicolau Chopin tinha sido instrutor das filhas da condessa e de seu (próprio filho) Fryderyk. Durante quatro anos, compartilhou a mesa com Justyna Krzyżanowska, até que por fim se casaram. Depois, mudaram-se para Varsóvia.

A juventude de Fryderyk Chopin consistia em estudar composição com Józef Elsner, diretor do Conservatório de Música, a quem amava como pai, responsável tanto pelo rápido progresso no toque do piano, quanto pelos saraus particulares varsovianos e concertos em elegantes salões e pelas férias em propriedades rurais de seus colegas ricos.

Desde criança habituou-se ao prodígio e à admiração. Aos 8 anos de idade fez sua primeira aparição pública, após a qual seu nome virou o assunto da cidade. Os salões varsovianos começaram a disputá-lo e consequentemente dava concertos em palácios de aristocratas varsovianos. Entre "stuccos" e lustres de cristal, marulhava sob seus dedos o estilo brilhante. Aquele estilo envolvia o máximo de sons num mínimo de tempo. Era a moda da época, mas Chopin emprestou-lhe uma poesia sonora muito pessoal. À medida que seus Rondós, suas Variações sobre um tema de "Don Giovanni" de Mozart anunciavam o despertar de uma personalidade, a Grande Polonaise Brilhante, a Grande Valsa Brilhante, o Concerto para piano nº 2 em Fá Menor e o Concerto para piano nº 1 em Mi Menor foram obras em que o jovem gênio encontrou sua própria linguagem.

Esse jovem esguio de estatura um pouco mais que média, inicialmente tímido, posteriormente devia encher a atmosfera dos salões com intermináveis piadas. Via o mundo como uma comédia, animava os chás e bailes varsovianos. Os convidados morriam de rir quando ele demostrava seus "Polichinelos", como chamava as paródias de figuras bem conhecidas. Imitava o semblante e gestos de um professor de inglês ou punha uma peruca vermelha e posava como pastor evangélico. Não gostava de sentimentalismo e chamava as supersensíveis senhoritas de "bumbunzinhos românticos". Com os amigos tomava vinho e jantava, improvisava valsas, mazurkas, escocesas e, inclusive, tocava para dançarem. Escrevia cartas cintilando espírito humorístico e desenhava caricaturas. Durante as férias em Szafarnia, o jovem Chopin de 14 anos editou o "Correio de Szafarnia", parodiando o "Correio Varsoviano". Reagiu à notícia da imposição da censura sobre a imprensa e livros com alguns versos no seu "Correio de Szafarnia":
"Proszę bardzo cenzora/ Nie krępować mi ozora."
Por favor, ó (crítico) censor,/Na minha língua crepe não por.

As lições de história deixaram em Chopin uma visão de um passado poderoso da Polônia, quando era uma "defesa do Cristianismo" no leste, derrotando os turcos e tártaros, os exércitos russos e suecos e a Ordem dos Cavaleiros Teutônicos; também deixaram uma visão dos grandes tempos do rei Jan III Sobieski, quando ele com seu exército salvou Viena de uma invasão turca e quando a carga dos hussardos poloneses decidiu a sorte do Cristandade. Uma memória brilhante era a morte do príncipe Józef Poniatowski durante a Batalha de Leipzig³, quando os poloneses estavam cobrindo a retirada de Napoleão. Reflexões sobre a sorte da Polônia e patriotismo podem ser ouvidas nas posteriores Polonaises heróicas de Chopin e em alguns Estudos. Sua saudade da Polônia repete-se em algumas Mazurcas, escritas em Majorca e Nohant.

Quase nunca transcrevia melodias populares. Nas Mazurcas romantizou e inventou-as de forma tão realística que elas pareciam um documento fidedigno da zona rural polonesa, tanto a da nobreza, quanto a dos camponeses. Os ares rurais eram bons para ele: tocava nos casamentos de aldeia com os músicos locais, tocava canções religiosas judaicas, andava atrás das jovens camponesas, caçava perdizes e coelhos, colhia cogumelos e morangos silvestres, andava a cavalo e se divertia. Informou a um amigo numa carta: "O cavalo vai onde quer, eu — como macaco no dorso de um urso — fico nele sentado com medo". Em outra ocasião, escreveu: "Meus queridos pais e vocês, lube siostrylle (amadas irmãzinhas)! A saúde me serve, como se fosse um cão adestrado".

O seu senso de observação registrava detalhes de um casamento de aldeia e festival da colheita. Chopin observava como a aldeia se divertia, sobretudo com a ajuda de vodca. Tinha na memória os taberneiros judeus e as discussões das jovens camponesas, a mazurca rural e os oberki⁴. Também se familiarizara com a melancolia de outra dança folclórica, kujawiak. Então adaptou todas essas danças a suas mazurcas. Nos bailes na casa senhorial, até o raiar do sol, ele dançava a mazurca dos nobres: também fogosa, mas mais elegante. As Mazurcas eram uma recordação das férias de verão.

Chopin foi a Berlim. Visitou o diletante de música, violoncelista e compositor, príncipe Antoni Radziwill em sua residência de verão em Antonin perto de Poznan. Escreveu algumas obras para ele, esteve aí duas vezes, deu lições à filha mais jovem do príncipe, Wanda, e admirava sua beleza. Eliza, a filha mais velha, desenhou retratos dele. Tinha 16 anos quando foi com a mãe e as irmãs, Ludwika e Emilka, para a Silésia, para submeter-se a tratamento no spa de Duszniki, que então se chamava Bad Reinerz. Mais tarde passou pela morte da irmã mais jovem, Emilka, e, pela primeira vez, soou ameaçante em seus ouvidos a palavra "tuberculose".

Como prêmio por ter completado seu estudo no conservatório, Chopin foi mandado por seu pai a Viena. Seus dois concertos no teatro no Carinthian Gate, o Kärntnertortheater, e sobretudo as Variações sobre um tema de "Don Giovanni" de Mozart foram um indiscutível sucesso. A platéia o fez voltar muitas vezes, embora no início tivesse penado com nervosismo e bebido água com açúcar para se recuperar-se. Mas não deixou passar a oportunidade de flertar com uma jovem pianista, a gorducha Leopoldina Blahetka. Seus itinerários o levaram também a visitar Kalisz e Breslau⁵, Poznan e Cracóvia, Praga e Dresden, Thorn e Danzig⁶ .

Suas últimas férias polonesas começaram em Poturzyn, a propriedade de seu amigo mais próximo, Tytus Woyciechowski. Chopin interrompeu-as para assistir à estréia operística da talentosa cantora Konstancja Gładkowska, cujos olhos azuis e cabelo louro já notara anteriormente, no concerto dos estudantes do Conservatório. Ela tinha então 18 anos. Seu pai era o burgrave do castelo real de Varsóvia. Seu mestre de canto foi o italiano Carlo Soliva. Ela deve ter lido no Correio Varsoviano: "As obras do senhor Chopin levam, incontestavelmente, o cunho de um grande gênio". Pode ser que tenha ouvido que o diretor Elsner teria anotado no registro de notas ao lado do nome de Chopin: "um gênio musical". Chopin, após meses de silenciosa adoração, tornou-se amigo dela e até a acompanhava quando cantava. Mantiveram em segredo esse amor, pois um jovem sem estabilidade material, mesmo que extremamente talentoso, não podia concorrer com ricos candidatos a marido, com os quais a mãe dela sonhava. Não eram acessíveis a ela os salões aristocráticos, em que Chopin era cercado por multidões de coquetes. Contudo, ela era cortejada por oficiais russos de uma determinada posição social, ajudantes-de-ordens do irmão do czar Grão-Duque Konstanty, que governava a Polônia. Eles vinham ao Conservatório para cantar duetos com ela. Chopin e ela atormentavam-se com ciúmes, passavam por momentos de desespero, indo por altos e baixos do seu amor.

Os pais e amigos noticiaram que Chopin deveria viajar para uma grande metrópole européia, embora não soubessem ainda qual serviria melhor para que seu gênio pudesse se desenvolver e revelar-se. Konstancja participou de seu concerto de despedida no Teatro Nacional. Cantou "Oh, quante lacrime per te versai" (Oh! Quantas lágrimas derramei por você) da ópera "La donna del lago" de Rossini, baseada num poema de Sir Walter Scott, "The lady of the lake". Ela trajava um vestido branco e tinha uma rosa no cabelo.

Chopin compôs os últimos compassos do Concerto em Mi Menor em Żelazowa Wola, onde nasceu. Ali também, com seus pais e duas irmãs , Ludwika e Izabela, passou suas últimas férias polonesas. Também compôs alguns Noturnos. Em sua melodia e ornamentações ouvia-se não só o fascínio do bel canto operístico que se apossava dele. Ouvia-se neles a força da individualidade que transformava aquele estilo italiano.

Em Chopin, o movimento fluente do arabesco é muito mais do que simplesmente um ornamento⁷ elegante ou uma passagem magistral. Tinha seu próprio colorido e caráter e possuía os atributos de uma melodia flutuante de uma excepcional originalidade. (Mesmo um rápido grupeto adicionado a um som mais longo não é um simples melisma ou recurso para exibição do virtuosismo de alguém, mas produz uma qualidade mais elevada e desempenha tarefa definida. Nos Noturnos enfatiza o poder de expressão de um dado som, o clímax do plano musical ou uma mudança na dramaturgia da composição musical.) Este era exatamente o objetivo da extraordinária arte da ornamentação que Monteverdi tinha mostrado em suas óperas, antes de ser destinado a um puro efeito de virtuosismo.

Quando, no Dia dos Finados de 1830, Chopin embarcou na diligência, no coração levava uma fita e no seu dedo um anel — oferecidos por Konstancja. (Dois anos mais tarde sua querida tornou-se esposa de um rico proprietário de terras, chamado Józef Grabowski.) Seis dias após a chegada de Chopin à Viena, eclodiu na Polônia a Insurreição de Novembro.
Os planos artísticos e a eclosão da insurreição dividiram sua vida. Os seus primeiros anos Chopin tinha passado em Varsóvia, os seguintes irá passá-los em Paris. Em Viena permaneceu meio ano, e então decidiu viajar para Paris. A derrota dos insurretos e a repressão dos russos interceptaram-lhe o caminho de volta. Tinha vinte anos quando deixou Varsóvia, para a qual nunca mais devia retornar, e tinha trinta e nove anos quando morria em Paris.


¹ A ninfa do lago Świteź [N.T.]
² Impromptu nº 2 [N.T.]
³ A Batalha das Nações ou Batalha de Leipzig foi uma batalha ocorrida em 1813, na cidade alemã de Leipzig, entre o exército francês de Napoleão Bonaparte e os exércitos de Rússia, Prússia, Áustria e Suécia. A batalha terminou com a derrota de Napoleão. [N.T.]
⁴ Plural de oberek, uma das cinco danças folclóricas nacionais da Polônia. As outras quatro são: krakowiak, kujawiak, polonaise e mazur (sendo mazurek= pequeno mazur, ou em inglês mazurka). [N.T.]
⁵ Nome alemão até 1945. Atualmente, Wrocław. [N.T.]
⁶ Nome alemão até 1945. Atualmente, Gdańsk. [N.T.]
⁷ Ornamento, em música, são desenhos musicais que enfeitam ou embelezam uma melodia ou acorde. Os ornamentos são notas ou grupos de notas acrescentadas pelo compositor a uma melodia. Sua finalidade é adornar as notas reais da melodia. Podem ser: apojaturas, arpejos, glissandos, trinados, floreios, cadências melódicas, portamentos, grupetos, mordentes, etc. [N.T.]
(Continua na Parte 5 desta série)



* Francisco José dos Santos Braga, cidadão são-joanense, tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Além de escrever artigos para revistas e jornais, é autor de dois livros e traduziu vários livros na área de Administração Financeira. Participa ativamente de instituições no País e no exterior, como Membro, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ e Fundação Oscar Araripe em Tiradentes-MG. Possui o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com), um locus de abordagem de temas musicais, literários, literomusicais, históricos e genealógicos, dedicado, entre outras coisas, ao resgate da memória e à defesa do nosso patrimônio histórico.Mais...

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

DESTRUIÇÃO DE POMPÉIA PELO VULCÃO VESÚVIO > > > Parte 1


Por Francisco José dos Santos Braga



Localização do Monte Vesúvio

O Vesúvio é um vulcão ativo, junto da baía de Nápoles, no sul da Itália. Sua altura se modifica a cada erupção e, no fim do século XX, era de 1.280 metros.
No cume do Vesúvio há uma grande cratera de 600 metros de diâmetro e 300 metros de profundidade, proveniente da erupção de 1944. Uma escarpa semicircular, o monte Somma, envolve o cone principal do vulcão pelo lado norte, a partir dos 1.057 metros de altura. Entre as duas elevações encontra-se o vale do Gigante.

Constituição do vulcão Vesúvio


Segundo o célebre vulcanólogo francês, Alfred Lacroix, o Vesúvio é designado Vulcano-estromboliano porque umas vezes existem explosões com grande produção de cinzas e lava espessa (do tipo vulcaniano), e outras vezes eclodem com magma fluido, poucas cinzas, mas muitos gases explosivos, projetando materiais sólidos (do tipo estromboliano). Segundo outro vulcanólogo, Alwin Scarth, o Vesúvio é Pliniano, porque a sua lava é muito fragmentada e espalha-se por uma grande área, atingindo grande espessura, podendo exceder os 100 km³ de volume. A coluna de gases e cinzas pode ter alguns quilômetros de altura.

Erupções mais importantes da sua história


O Vesúvio surgiu no pleistoceno, provavelmente há menos de 200.000 anos. Esteve adormecido durante séculos até a violenta erupção do ano 79 d.C., que sepultou Pompéia, Herculano e Estábias (ou Estábia), soterradas sob lapilli (fragmentos de lava) e cinzas vulcânicas que formaram uma camada de seis a sete metros de espessura. Em 79 d.C., as erupções foram tão grandes que toda a Europa do sul esteve coberta por cinzas.
A partir de então, registraram-se diversas erupções graves (em 472, 512 e 1036, pelo menos).
Seguiu-se longo período de latência, quando florestas cresceram na cratera, de solo muito fértil e três lagos deram de beber aos rebanhos que pastavam por ali.
Terremotos precederam uma nova erupção grave, em 1631. Nesse ano, em nova e tremenda demonstração de seu poder destruidor, arrasou a maior parte das localidades existentes à sua volta, matando mais de 3.000 pessoas e levando um rio de lava até o mar. Nessa erupção, suas cinzas atingiram Constantinopla (agora chamada de Istambul, na Turquia), a mais de 1.609 quilômetros de distância, como também já ocorrera com a erupção de 472.
Erupções mais recentes ocorreram em 1682, 1685, 1689, 1694, 1707, 1737, 1760, 1767, 1779, 1794, 1804, 1805, 1822, 1850, 1855, 1861, 1871, 1872, 1875, 1891, 1895, 1899, 1900, 1903, 1904, 1906, 1913, 1926, 1929 e 1944. Não houve mais nenhuma erupção desde 1944.

O Vesúvio é um perigoso e mortífero vulcão. Sua erupção no ano de 1631 matou cerca de 3.500 pessoas. Sua última manifestação, em 1944, parece ter encerrado um ciclo eruptivo iniciado em 1631, e causou sérios danos a Nápoles e cidades vizinhas. Atualmente, as autoridades temem uma inesperada erupção e estão constantemente em alerta. Tudo indica que a cratera esteja novamente obliterada por um tampão de lava solidificada e que, como em 79 d.C., haja uma explosão lançando aos ares esse tampão.
Estima-se que numa erupção de proporções moderadas, uma área de 7 km de raio em torno do vulcão, poderá ser destruída. Atualmente, um milhão de pessoas vivem nesta área. A antiga Pompéia dista cerca de 8 km da cratera.

Contrariamente à visão do Vesúvio como mortífero, certo achado em escavações permite compreender a idéia que os pompeianos faziam da montanha: na chamada Casa do Centenário (região IX, insulas 8-5), no alojamento dos escravos, um larário (nicho ou capela para os deuses lares) representa Baco em primeiro plano, o corpo coberto por um cacho gigante de uvas, com seu tirso e uma pantera, tendo por trás de si um monte coberto de vinhedos (o Vesúvio?).
Longe de possuir uma reputação perigosa essa montanha parece, ao contrário, ser a morada do deus, por excelência, das festas e da prosperidade!

Considerado o período de 1631 a 1944, os estágios eruptivos do Vesúvio variaram de seis meses a quase 31 anos; os períodos de latência, de 18 meses a sete anos e meio. Durante esse período de quase quatro séculos, a atividade do vulcão tornou-se cíclica, com estágios de repouso durante os quais a boca do vulcão fica obstruída.
O Vesúvio é o único vulcão do continente europeu que há quase 19 séculos manifesta atividade regular.

Histórico

Pompéia (em latim, Pompeii), antiga cidade da Campânia, no sul da Itália, situa-se a 23km a sudoeste de Nápoles. Fundada pelos oscos, caiu sob domínio grego no século VIII a.C. e foi ocupada pelos etruscos no século VII a.C. Invadida pelos samnitas no final do século V a.C., aliou-se a Roma no século III a.C. A cidade participou da guerra civil do século I a.C. e converteu-se em colônia romana. O historiador Tácito relata a eclosão de uma revolta popular no ano 59 da era cristã. Três anos depois, um terremoto danificou os edifícios pompeianos e, em 24 de agosto de 79, violenta erupção do Vesúvio soterrou-a. Dos vinte mil habitantes, morreram dois mil.

Herculano (em latim, Herculaneum) situa-se a oito quilômetros a sudeste de Nápoles, em parte sob os alicerces da atual localidade de Resina, o que praticamente impossibilitou o acesso às ruínas. Sua história, paralela à de Pompéia, interrompeu-se em consequência da mesma erupção.

Estábia ou Estábias (em latim, Stabiae), situada no extremo oriental do golfo de Nápoles, foi também arrasada pela erupção do Vesúvio. As pinturas murais encontradas aí são comparáveis às de Pompéia e Herculano. Essa pequena localidade passou à história, porque entre as suas vítimas fatais na erupção do Vesúvio em 79 d.C. estava o naturalista Plínio, o Velho, comandante da esquadra romana.

A morte trágica do republicano brasileiro Antônio da Silva Jardim (1860-1891)

Com apenas 28 anos, advogado do fôro santista, Silva Jardim, depois de um discurso inflamado em Santos, transformou-se no orador mais solicitado na campanha republicana. Seu discurso foi transcrito em jornais republicanos de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco. O evento de Santos repercutiu em todo o País e não só modificou o panorama da campanha republicana, como também transformou a vida do jovem advogado em defensor da grande causa pública.

Após rodar por várias cidades com seus discursos, Jardim acabou sendo mero espectador da Proclamação da República. E nesta condição acabou mantido pelos executores do golpe que derrubou a Monarquia, os quais não se sentiam comprometidos com os líderes civis que haviam preparado o momento histórico. Silva Jardim, que se afastara do Partido Republicano por exigir participação mais popular e direta na campanha, foi deixado de lado no processo. Magoado, retirou-se da vida política e rumou para a Europa, onde passou a aprofundar-se no estudo do Direito.

Num de seus passeios pelo Velho Continente, no dia 1º de julho de 1891, seguiu até Nápoles, na companhia de Carneiro de Mendonça, um velho amigo. Lá, decidiram conhecer de perto o temido Vulcão Vesúvio. Quando estavam no cume, sentiram um tremor no solo. O chão fendeu-se por trás de Silva Jardim, tragando-o para a cratera fumegante do vulcão. Mendonça não pôde fazer nada. Só conseguiu escapar para contar a história.

A erupção de 79 d.C. e a morte de Plínio, o Velho (23-79 d.C.)

Caio Plinio Segundo (em latim, Gaius Plinius Secundus), dito Plínio, o Velho — para distingui-lo do sobrinho Caio Plinio Cecílio, dito Plínio, o Moço ou Jovem (61-114 d.C.) —foi historiador, cientista, gramático, talvez o maior erudito da idade imperial romana. Nasceu em Como, foi educado em Roma e entrou na carreira equestre no meado do século I d.C. comandando por muito tempo um esquadrão de cavalaria na região do rio Reno - Alemanha. No ano 58 voltou para a Itália dedicando-se aos estudos da retórica e gramática. Ocupou importantes cargos públicos no tempo dos imperadores Vespasiano e Tito.
A obra mais importante de Plinio, o Velho, que nos chegou completa, é a "Naturalis Historia", que inicia com uma dedicatória a Tito, que regia, na época, o império junto ao pai Vespasiano, assim disposta:
- um índice e a lista das fontes bibliográficas (livro I);
- tratados sobre a Astronomia e a Geografia (livros II – VI);
- tratados sobre o Homem e os outros animais (livros VII – XI);
- tratado sobre a Botânica (livros XII – XIX);
- tratado sobre a Medicina (livros XX – XXXII);
- tratado sobre os metais e as pedras e de seus usos na medicina, a arte e a arquitetura (livros XXXIII – XXXVII).
Misturando as experiências pessoais e as testemunhas de fontes antigas, utilizando um estilo afetado e, às vezes, tortuoso, Plínio, o Velho nos dá, além de inúmeras e preciosas notícias sobre o conhecimento científico daquele tempo, constituindo um exemplo único do profundo humanismo e da vastidão de interesses da cultura latina do século I.
Ao falecer — final de agosto do ano 79 d.C. — durante a famosa erupção do Vesúvio, comandava a frota do Capo Misena (nos arredores de Nápoles). Sua trágica morte nos foi narrada, em riqueza de detalhes, numa carta do sobrinho, Plínio, o Moço (61-113 d.C.) ao historiador romano Tácito (55-120 d.C.).

A erupção do Vesúvio em 79 d.C. não era esperada por ninguém, pois a última erupção tinha tido lugar antes de Pompéia ter começado a existir, no séc. VII a. C, de acordo com alguns cientistas, ou muito antes, segundo outros.
Quando o longo sono do vulcão terminou naquele dia 24 de agosto, a explosão foi espetacular, como se verifica quer através da análise dos materiais lançados pelo vulcão quer pela leitura de dois documentos absolutamente extraordinários, as duas cartas de Plínio, o Jovem, que descrevem as diferentes fases da erupção.

Há 1930 anos atrás, Pompéia sucumbiu entre a tarde do dia 24 e a manhã do dia 25 de agosto, do ano 79 d. C. De forma imprevista, no dia 24 o Vesúvio lançou uma enorme quantidade de lapilli, lava e gás venenoso que destruiriam para sempre a cidade, juntamente com Herculano e Estábia.
Ainda que pareça estranho, o acontecimento colheu desprevenidos os habitantes de Pompéia. Eles sabiam que viviam numa zona sísmica: 17 anos antes, em 62 d. C., um forte terremoto tinha provocado o desabamento e danificado muitos edifícios que em 79 d.C. estavam ainda ou fechados ou a ser restaurados. Nos anos subsequentes, outros tremores de terra teriam provavelmente ocorrido na região, provocando outros danos tais como os de 62 d.C., os quais eram ainda visíveis no momento da erupção. Nesta data de fato a colunata da Basílica continuava por terra e dos edifícios termais só estava aberto ao público a seção masculina das termas do Foro; dos três edifícios dedicados a espectáculos só o anfiteatro, a Palestra Grande, estava em via de restauro. Os terremotos, em suma, eram uma calamidade anunciada.

A carta de Plínio, o Jovem a Tácito

Abaixo apresento a minha tradução para a célebre carta de Plínio, o Jovem ao escritor Tácito, narrando as circunstâncias em que morreu seu tio Plínio, o Velho.
Esse documento impressionante e cientificamente relevante é uma das principais fontes primárias para o perfeito entendimento de cientistas e historiadores dos acontecimentos naquele fatídico 24 de agosto do ano 79 d.C. Esta descrição de Plínio, o Jovem passou a ser utilizada pelos vulcanólogos para compreender as várias fases da erupção, juntamente com a análise do restante material vulcânico.
Nesta 1ª carta a Tácito (Epístola VI, 16) — há outra (Epístola VI,20) — Plínio, o Jovem descreve o “pinheiro” vulcânico, identificado com a fase eruptiva que os vulcanólogos chamam de “pliniana”, caracterizada pela emissão de um jato de cinza e gás que se ergue no ar formando uma enorme coluna magmática. Esta coluna tomba no chão sob a forma de pedras-pomes, como o confirmam Plínio, o Jovem e a sequência de estratos encontrados em Pompéia. O tamanho das pedras vai aumentando com o avanço da erupção. Isto significa que a energia vai aumentando com o tempo e a coluna aumenta em força de expulsão e em tamanho. Como o vento soprava, por ocasião daquela referida erupção, para sudeste, a coluna caiu sobretudo sobre as encostas oriental e meridional do Vesúvio e atingiu Pompéia, Herculano e Estábia. Esta fase durou cerca de doze horas e depois as condições da erupção mudaram drasticamente.

O escritor dessa missiva era um jovem de dezessete anos quando ocorreu a erupção do Vesúvio. Instado pelo grande historiador romano Tácito, escreveu a referida carta, a saber:

C. Plinii Caecilii secundi epistolarum liber sextus (Epistolae VI, 16)


Caius Plinius Tacito suo s.
1 Petis ut tibi avunculi mei exitum scribam, quo verius tradere posteris possis. Gratias ago; nam video morti eius si celebretur a te immortalem gloriam esse propositam.
2 Quamvis enim pulcherrimarum clade terrarum, ut populi ut urbes memorabili casu, quasi semper victurus occiderit, quamvis ipse plurima opera et mansura condiderit, multum tamen perpetuitati eius scriptorum tuorum aeternitas addet.
3 Equidem beatos puto, quibus deorum munere datum est aut facere scribenda aut scribere legenda, beatissimos vero quibus utrumque. Horum in numero avunculus meus et suis libris et tuis erit. Quo libentius suscipio, deposco etiam quod iniungis.
4 Erat Miseni classemque imperio praesens regebat. Nonum Kal. Septembres hora fere septima mater mea indicat ei apparere nubem inusitata et magnitudine et specie.
5 Usus ille sole, mox frigida, gustaverat iacens studebatque; poscit soleas, ascendit locum ex quo maxime miraculum illud conspici poterat. Nubes — incertum procul intuentibus ex quo monte; Vesuvium fuisse postea cognitum est — oriebatur, cuius similitudinem et formam non alia magis arbor quam pinus expresserit.
6 Nam longissimo velut trunco elata in altum quibusdam ramis diffundebatur, credo quia recenti spiritu evecta, dein senescente eo destituta aut etiam pondere suo victa in latitudinem vanescebat, candida interdum, interdum sordida et maculosa prout terram cineremve sustulerat.
7 Magnum propiusque noscendum ut eruditissimo viro visum. Iubet liburnicam aptari; mihi si venire una vellem facit copiam; respondi studere me malle, et forte ipse quod scriberem dederat.
8 Egrediebatur domo; accipit codicillos Rectinae Tasci imminenti periculo exterritae — nam villa eius subiacebat, nec ulla nisi navibus fuga -: ut se tanto discrimini eriperet orabat.
9 Vertit ille consilium et quod studioso animo incohaverat obit maximo. Deducit quadriremes, ascendit ipse non Rectinae modo sed multis — erat enim frequens amoenitas orae — laturus auxilium.
10 Properat illuc unde alii fugiunt, rectumque cursum recta gubernacula in periculum tenet adeo solutus metu, ut omnes illius mali motus omnes figuras ut deprenderat oculis dictaret enotaretque.
11 Iam navibus cinis incidebat, quo propius accederent, calidior et densior; iam pumices etiam nigrique et ambusti et fracti igne lapides; iam vadum subitum ruinaque montis litora obstantia. Cunctatus paulum an retro flecteret, mox gubernatori ut ita faceret monenti 'Fortes' inquit 'fortuna iuvat: Pomponianum pete.' 12 Stabiis erat diremptus sinu medio — nam sensim circumactis curvatisque litoribus mare infunditur -; ibi quamquam nondum periculo appropinquante, conspicuo tamen et cum cresceret proximo, sarcinas contulerat in naves, certus fugae si contrarius ventus resedisset. Quo tunc avunculus meus secundissimo invectus, complectitur trepidantem consolatur hortatur, utque timorem eius sua securitate leniret, deferri in balineum iubet; lotus accubat cenat, aut hilaris aut — quod aeque magnum — similis hilari.
13 Interim e Vesuvio monte pluribus locis latissimae flammae altaque incendia relucebant, quorum fulgor et claritas tenebris noctis excitabatur. Ille agrestium trepidatione ignes relictos desertasque villas per solitudinem ardere in remedium formidinis dictitabat. Tum se quieti dedit et quievit verissimo quidem somno; nam meatus animae, qui illi propter amplitudinem corporis gravior et sonantior erat, ab iis qui limini obversabantur audiebatur.
14 Sed area ex qua diaeta adibatur ita iam cinere mixtisque pumicibus oppleta surrexerat, ut si longior in cubiculo mora, exitus negaretur. Excitatus procedit, seque Pomponiano ceterisque qui pervigilaverant reddit.
15 In commune consultant, intra tecta subsistant an in aperto vagentur. Nam crebris vastisque tremoribus tecta nutabant, et quasi emota sedibus suis nunc huc nunc illuc abire aut referri videbantur.
16 Sub dio rursus quamquam levium exesorumque pumicum casus metuebatur, quod tamen periculorum collatio elegit; et apud illum quidem ratio rationem, apud alios timorem timor vicit. Cervicalia capitibus imposita linteis constringunt; id munimentum adversus incidentia fuit.
17 Iam dies alibi, illic nox omnibus noctibus nigrior densiorque; quam tamen faces multae variaque lumina solvebant. Placuit egredi in litus, et ex proximo adspicere, ecquid iam mare admitteret; quod adhuc vastum et adversum permanebat.
18 Ibi super abiectum linteum recubans semel atque iterum frigidam aquam poposcit hausitque. Deinde flammae flammarumque praenuntius odor sulpuris alios in fugam vertunt, excitant illum.
19 Innitens servolis duobus assurrexit et statim concidit, ut ego colligo, crassiore caligine spiritu obstructo, clausoque stomacho qui illi natura invalidus et angustus et frequenter aestuans erat.
20 Ubi dies redditus — is ab eo quem novissime viderat tertius -, corpus inventum integrum illaesum opertumque ut fuerat indutus: habitus corporis quiescenti quam defuncto similior.
21 Interim Miseni ego et mater — sed nihil ad historiam, nec tu aliud quam de exitu eius scire voluisti. Finem ergo faciam.
22 Unum adiciam, omnia me quibus interfueram quaeque statim, cum maxime vera memorantur, audieram, persecutum. Tu potissima excerpes; aliud est enim epistulam aliud historiam, aliud amico aliud omnibus scribere. Vale.


Livro sexto das cartas de Caio Plínio Cecílio Segundo (Cartas VI, 16)

Caio Plínio ao seu (amigo) Tácito, saúde!
1 Pedes para eu descrever a morte de meu tio, de modo que possas dirigir-te aos pósteros com mais veracidade. Agradeço(-te): pois eu vejo que uma glória imortal poderá ser garantida à morte dele, se for celebrada por ti.
2 Pois, ainda que ele tenha morrido num desastre que assolou uma belíssima região, sucumbindo em meio à destruição de povos e cidades, vítima duma catástrofe que lhe eternizará a memória; ainda que ele tenha redigido diversas obras que deverão permanecer, a imortalidade dos teus escritos muito acrescentará à dele.
3 Sem dúvida, felizes os homens a quem coube, por graça dos Deuses, fazer coisas que foram escritas, ou escrevê-las dignas de serem lidas; porém, mais felizes ainda são aqueles a quem concederam tanto um quanto outro. Meu tio estará no número destes últimos já pelos seus, já pelos teus escritos. Pelo que com o maior prazer assumo, — (antes) até reivindico — o que me impões.
4 Por essa ocasião, ele se achava em Misena e comandava a tropa. No vigésimo quarto dia de agosto, aproximadamente a uma hora da tarde, minha mãe mostrou-lhe ter aparecido uma nuvem com inusitado tamanho e aparência.
5 Tendo tomado sol, depois banho frio, tomara a refeição e descansava no leito enquanto estudava; pedindo as sandálias, subiu a um lugar donde aquele prodígio pudesse ser bem contemplado. De um monte difícil de identificar, dada a distância (soube-se depois que era o Vesúvio) elevava-se uma nuvem, que se assemelhava na forma a uma árvore e, mais particularmente, a um pinheiro.
6 Por isso é que se elevando para o céu como um tronco imenso, dilatava-se em alguns ramos. Imagino que a nuvem, elevada por um vento novo, em seguida abandonada pelo vento que se enfraquecia, ou mesmo vencida por seu próprio peso(=gravidade), se dissipou latitudinalmente: às vezes branca, às vezes sombria e suja, conforme levantava terra ou cinza.
7 Pareceu ao eruditíssimo homem(=meu tio) que este grande prodígio fosse estudado mais de perto. Manda que seja preparada uma liburna (=navio ligeiro). Dá-me a oportunidade de acompanhá-lo, se eu quisesse vir; respondi que preferia estudar, e por acaso ele mesmo me dera algo para escrever.
8 Ele saiu de casa; recebeu um bilhete de Rectina, mulher de Cascus, assustada pelo perigo ameaçador, pois a residência dela se achava sob o vulcão, não existindo nenhuma fuga a não ser com embarcações: pedia que ele a tirasse de perigo tão grave.
9 Ele muda sua deliberação, e afronta com máxima coragem o que empreendera por amor ao estudo. Lança quadrirremes ao mar, sobe ele mesmo, decidido a levar auxílio não somente a Rectina, mas também a muitas outras pessoas (com efeito, o encanto da beira-mar fazia com que fosse povoada).
10 Apressa-se (dirigindo-se) para o lugar donde outros fogem, mantém-se em linha reta e no leme direto para o perigo, tão desligado de medo a ponto de ditar e anotar todas as fases e todos os aspectos (desta catástrofe) que flagra com os olhos.
11 Ora caíam cinzas sobre os navios, de forma mais quente e mais densa, à medida que eles se aproximavam (do sítio); ora caíam mesmo pedras-pomes negras e pedras tanto carbonizadas quanto despedaçadas pelo fogo; ora parecem agitar-se o fundo do mar, o inesperado e os escombros do monte impedidos pela praia. Um pouco hesitante se devia retornar, em seguida instruiu ao seu piloto que fizesse assim: "A sorte favorece os audazes; dirige-te para (a villa de) Pompônio". 12 Ele(=Pompônio) estava em Estábias, separado pela metade do golfo (pois o mar se verte sobre si mesmo nas costas recurvadas). Então, embora o perigo ainda não estivesse iminente, entretanto era visível e, como crescesse, próximo, (Pompônio) fizera embarcar as bagagens nos navios, certo de partir se o vento contrário amainasse; por isso, meu tio, arrastado por esse (mesmo) vento muito favorável, abraça seu amigo que tremia, consola-o, encoraja-o e, para acalmar o medo de seu amigo com a sua tranquilidade, pede para ser levado ao banho; lavado, (meu tio) deita-se à mesa, janta ou alegre ou então (o que é igualmente corajoso) parecendo alegre.
13 Neste ínterim, em muitos locais do monte Vesúvio reluziam chamas muito amplas e elevados incêndios, cujo brilho e claridade eram avivados pelas trevas da noite. Ele, para curá-los do espantalho, repetia que os fogos tinham sido abandonados por temor dos camponeses e que eram villas desertas que queimavam por abandono. Então pôs-se em repouso e na verdade repousou em sono profundo, pois era ouvida, por aqueles que eram observados na soleira da porta, a respiração (=passagem do sopro) que ele possuía mais grave e mais sonora por causa da dimensão de seu corpo.
14 Mas o pátio, donde se tinha acesso ao quarto, já se elevava repleto de cinza misturada com pedras-pomes, de tal forma que, se a demora no quarto fosse maior, ser-lhe-ia negada a saída. Tendo sido acordado, sai e se volta para Pompônio e outros que estavam de guarda.
15 Eles deliberam em comum se devem ficar abrigados nas casas ou vaguear a descoberto. Com efeito, as casas oscilavam pelos tremores repetitivos e colossais e agora pareciam ora ir para lá ou ora vir para cá, como abaladas de suas fundações.
16 A céu aberto, em compensação, temia-se a queda de pedras-pomes, embora fossem leves e corroídas; o que, no entanto, a comparação dos perigos elegeu (= fez escolher esta última opção). No seu caso (do meu tio), na verdade, a razão venceu a razão, enquanto, no caso dos outros, o medo venceu o medo. Com tecidos de linho ataram travesseiros colocados sobre as cabeças; isso foi uma proteção contra o que caía.
17 Em outro lugar já era dia, aqui mais negra e densa do que todas as noites era a noite, que, contudo, muitas tochas e diversas luzes abrandavam. Aprouve(-lhes) sair para a praia e olhar de perto se o mar (os) acolhia já, o qual até aqui permanecia colossal e contrário.
18 Aí, deitando-se (meu tio) sobre um lençol estendido, pediu água fria e dela tomou dois goles. Depois, as chamas e um cheiro de enxofre que as prenunciam põem os outros em fuga e o fazem levantar.
19 Apoiando-se em dois escravos, ele se levantou e incontinenti caiu morto; deduzo que a sua respiração foi obstruída por uma caligem densíssima e a sua glote se cerrou. Ele possuía uma natureza frágil, delicada e frequentemente sufocada.
20 Quando o dia retornou (este era o terceiro desde aquele que ele tinha visto ultimamente), seu corpo foi encontrado íntegro, ileso e coberto da forma como estivera vestido; o aspecto do seu corpo era mais parecido com alguém que descansa do que com um defunto.
21 Neste ínterim, eu estava em Misena e minha mãe ... mas para tua narrativa não quiseste saber nada nem outra coisa do que a respeito de sua morte. Então concluirei.
22 Acrescentarei uma coisa: que eu expus minuciosamente tudo o que presenciara e que ouvira, cada coisa sem recuar, quando principalmente as coisas verdadeiras são lembradas. Tu escolherás os excertos mais importantes; pois, uma coisa é escrever uma carta a um amigo, outra coisa é escrever uma narrativa a todo o mundo. Adeus!

Blogs consultados:
pt.wikipedia.org/wiki/Vesúvio,
www.ihgs.com.br/materias/novembro/silvajardim/silva.html, www.italiamiga.com.br/artecultura/artigos/plinio_il_vecchio.htm,
http://antesdetempo.blogspot.com/2004/08/h-1925-anos-pompeia-pompeia-morre.html



* Francisco José dos Santos Braga, cidadão são-joanense, tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Além de escrever artigos para revistas e jornais, é autor de dois livros e traduziu vários livros na área de Administração Financeira. Participa ativamente de instituições no País e no exterior, como Membro, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ e Fundação Oscar Araripe em Tiradentes-MG. Possui o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com), um locus de abordagem de temas musicais, literários, literomusicais, históricos e genealógicos, dedicado, entre outras coisas, ao resgate da memória e à defesa do nosso patrimônio histórico.Mais...

sábado, 23 de janeiro de 2010

2010 - ANO CHOPIN > > > Parte 3 > > > "CORAÇÃO DO GÊNIO", por Janusz Ekiert (2ª Parte)


Por Francisco José dos Santos Braga



Nesta Parte 3 da série de ensaios dedicados a 2010 - ANO CHOPIN, trago minha tradução para esta 2ª parte (em continuação) do ensaio intitulado "Coração do Gênio", de autoria do musicólogo polonês Janusz Ekiert, como parte das homenagens que o Blog do Braga presta ao 200º aniversário do nascimento do grande pianista e compositor polonês Fryderyk Chopin.

Réplicas

Chopin era um perspicaz observador, a seu redor, dos fenômenos da moda, sobretudo artística, e dos debates entre classicistas e românticos de Varsóvia.
Às vezes tentava esconder os estímulos artísticos pelos quais foi impelido, outras vezes não. Mas pôde e desejou muito, em plena consciência, deixar sua marca individual em seus impulsos criadores.

Sem dúvida, o Romantismo não inventou a divisão em corpo e alma, mas certamente a ampliou, ou talvez só a tenha destacado. Conventos, por um lado, e prostíbulos, por outro, foram o resultado, lamentava George Sand. Chopin cedeu a essa visão do mundo dualística, quando chamava - com boa dose de senso prático - de "irmãs de caridade" as mulheres de programa de Varsóvia, e Constanza Gladkowska - de seu ideal. (Inspirado por esse romance platônico, ele escreveu o larghetto do Concerto nº 2 em Fá Menor, o Romanze para o Concerto nº 1 em Mi Menor, seus primeiros Noturnos e a Valsa em Ré Bemol Maior op. 70 nº 3. Quando estava compondo inspiradas harmonias e melodias, e quando estava negociando preço com os editores de Paris ou Leipzig, tanto numa quanto noutra situação não tinha convicções firmes quanto a essas questões. Só não gostava quando tentavam reconhecer em suas obras-primas um reflexo de realidades concretas ou de conteúdos literários. Irritou-se com George Sand quando, em Majorca, George Sand descreveu como "harmonia imitativa" em relação ao repetido lá bemol e, depois, sol sustenido, no "Prelúdio da Gota d' Água¹ ", como que imitando as gotas de chuva caindo.
Tais opiniões incomodavam-no, pois, ao contrário da música de Schumann, Mendelssohn ou Liszt, sua música não emulava os fenômenos da natureza, não transplantava enredos literários, nem reflexões filosóficas, nem imagens à música. Não sucumbia à moda da época e nunca intitulava suas composições de uma forma que poderia sugerir uma situação, ocorrência, pessoa, paisagem específicas. Ainda assim, entregava-se à atmosfera de seu dia. Ele confessou a um amigo que o Romanze do Concerto Mi Menor constituía uma evocação de lugares e momentos que lhe eram caros; que na Marcha Fúnebre da Sonata em Si Bemol se pode ouvir o toque de sinos e o rufo de tambores. O lá bemol, repetido onze vezes no Prelúdio em Lá Bemol Maior², soa como o eco de onze batidas do relógio da torre, lembrando o momento da separação; o Trio do Prelúdio em Lá Bemol Maior sugere tropel de cavalos dos hussardos poloneses. No Estudo em Fá Menor (Opus 25 nº 2) criou, sabidamente, um retrato de Maria Wodzińska. Nos salões parisienses ficou famoso por seus retratos sonoros. Lembrando Chopin, Berlioz disse: "Isso acontecia frequentemente ao redor da meia-noite, quando Chopin se sentia mais à vontade. Quando haviam saído todos os peixes graúdos de salão, quando as questões políticas correntes já tinham sido examinadas, quando todos os plantadores de mexericos haviam terminado suas calúnias e estórias sobre aqueles ausentes, quando já haviam sido discutidas todas as perfídias e atos vis dos amigos e conhecidos, enfim, quando todos estavam cheios da monotonia, então ele, obediente à solicitação muda de um par de belos e inteligentes olhos, vinha ao piano". Improvisava retratos de convidados escolhidos, instando a platéia a advinhar a quem se referia.

Impulsos

Tanto tocar música de dança nos salões varsovianos, quanto improvisar retratos musicais faziam parte de um elegante lazer social. Mas quando Chopin compunha, a música era só sua própria reação intensa face aos incidentes e acontecimentos que o cercavam. As séries de concertos de Paganini em Varsóvia em 1829 deixaram-lhe uma forte impressão. Mas os dois ciclos (de 12 Estudos cada) que Chopin compôs não constituíram um retrato do fenomenal violinista, nem ainda uma imitação pianística de seus Capricci, nem enfim um tributo a seu virtuosismo. Os Estudos de Chopin foram compostos como uma resposta ao fenômeno Paganini. E que réplica espantosamente individual! Chopin transformou a acrobacia dos dedos do pianista em uma poesia de cores de sons e de sentimentos. Foram uma revelação que até hoje mantém a platéia encantada: as harmonias originais combinadas com a nova substância sonora no piano, tanto com novas estruturas de acompanhamento, distantes do estereótipo, quanto com as dos arpejos incluindo notas não pertencentes ao acorde. Nessa situação, o acompanhamento adquire, frequentemente, um papel melódico. A revelação baseia-se no fato de que com Chopin os ornamentos e arpejos deixaram de ser um mero melisma e fina virtuosidade. Tornaram-se um meio de expressão e de uma cor do som pianística até então desconhecida. A ousada combinação de acordes, as escalas cromáticas de terças no Estudo em Sol Sustenido Menor³, a combinação de sons muito agudos com muito graves, arpejos varrendo todo o teclado no contexto de sons muito graves no baixo, presentes no Estudo nº 1 em Dó Maior⁴, tudo isso marca uma nova era na cor do piano. Posteriormente, críticos escreveram que os Estudos de Chopin foram para o desenvolvimento da cor do piano o que Berlioz e Wagner juntos representaram para o desenvolvimento da cor da orquestra.
Alguns eruditos sugerem que vários motivos em "Tristão e Isolda"de Wagner foram modelados pela melodia do baixo no Estudo em Mi Bemol Menor Opus 10 nº 6. Outros observam que, sem os Estudos de Chopin, teria sido impossível o aparecimento de várias obras de Débussy e Ravel.

Chopin escreveu a primeira série de seus Estudos em Varsóvia, Viena e Stuttgart, entre os 19 e 22 anos de idade; já o segundo - em Paris, entre os 20 e 26 anos de idade. É surpreendente que os Estudos, incluídos entre suas maiores obras-primas e que deram início a uma nova época do estilo pianístico, Chopin os tenha criado em tão tenra idade. Pela primeira vez, o estudo, ao mesmo tempo que persegue seu objetivo pedagógico, tornou-se fascinante obra de arte. Por causa de seu caráter excepcionalmente dramático, tentou-se dar o título de "revolucionário" a três deles. Ao lado do mais famoso, em Dó Menor do opus 10⁵, também os dois últimos do opus 25⁶, em Lá Menor e Dó Menor, foram chamados de "revolucionários"; para outros foram sendo inventados outro conteúdo ou imagens.

A caminho de Viena para Paris, Chopin deteve-se em Munique e Stuttgart, onde, em setembro de 1831, tomou conhecimento, através de jornais, que Varsóvia, após sangrenta luta, se rendera aos russos, e que a Insurreição de Novembro na Polônia havia malogrado. É possível ouvir seu desespero soar no Estudo Revolucionário em Dó Menor do opus 10 nº 12, composto então em Stuttgart. Observe-se que esse Estudo expressa apenas o estado de seu espírito, e não qualquer incidente, muito menos uma estória.

Pode ser que, sob a influência de sua inquietação acerca da sorte de seus amigos e parentes próximos durante a Insurreição, tenha composto o Estudo em Dó Menor opus 25 nº 12. Escreveu numa carta após retornar à casa depois de uma recepção: "No salão, finjo que estou calmo, mas ao retornar à casa, martelo as teclas do meu piano". Parece que Chopin confidenciou uma vez que, depois de compor o Estudo em Lá Menor, que incluiu no opus 25 como nº 11, durante uma noite de insônia, teve a idéia de escrever suplementarmente uma introdução em quatro compassos, precedendo um apaixonado fortissimo. Contudo, mesmo esse episódio sugere que Chopin planejou uma ação puramente musical ou, talvez, um drama psicológico mas sem quaisquer associações pictóricas.

¹ Prelúdio nº 15 em Ré Bemol Maior (Opus 28) [N.T.]
² Prelúdio nº 17
[N.T.]
³ Estudo op. 25 nº 6 [N.T.]
⁴ Estudo op. 10 nº 1 [N.T.]
⁵ Estudo op. 10 nº 12 [N.T.]
⁶ Estudo op. 25 nº 11 e nº 12 [N.T.]
(Continua na Parte 4 desta série)



* Francisco José dos Santos Braga, cidadão são-joanense, tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Além de escrever artigos para revistas e jornais, é autor de dois livros e traduziu vários livros na área de Administração Financeira. Participa ativamente de instituições no País e no exterior, como Membro, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ e Fundação Oscar Araripe em Tiradentes-MG. Possui o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com), um locus de abordagem de temas musicais, literários, literomusicais, históricos e genealógicos, dedicado, entre outras coisas, ao resgate da memória e à defesa do nosso patrimônio histórico.Mais...

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

2010 - ANO CHOPIN > > > Parte 2 > > > "CORAÇÃO DO GÊNIO", por Janusz Ekiert (1ª Parte)


Por Francisco José dos Santos Braga



Para constituir a Parte 2 da série de ensaios dedicados a 2010 - ANO CHOPIN, trago ao leitor lusófono minha tradução para um texto muito conhecido de Janusz Ekiert, intitulado "Coração do Gênio", como parte das homenagens que o Blog do Braga presta ao 200º aniversário do nascimento do grande pianista e compositor polonês.

Janusz Ekiert, autor de "Coração do Gênio", aclamado musicólogo polonês, é graduado pela Academia de Música de Cracóvia e pela Universidade de Varsóvia. Ficou popular como autor e apresentador de programas televisivos, tais como "Penetrações", "Traços Sentimentais" e "A História do Concurso Internacional Chopin de Piano". Por muitos anos prestou serviço como "expert" principal em programa de perguntas sobre música clássica na TV Pública Nacional e em muitos programas radiofônicos; já tem escrito inúmeros artigos e ensaios e publicou livros sobre música clássica, tais como "Marcos de Limite com um Amuleto", "Uma Passagem para o Paraíso", "Um Espelho de uma Époque", "Encontros mais próximos com a Música" e "Fryderyk Chopin: uma Biografia Ilustrada". Cooperou com revistas na Holanda, na Finlândia, na Áustria, na Yugoslavia, bem como contribuiu para a Enciclopédia Alemã de Música com o texto "A Música na História e no Presente".

Ekiert fez "tours" pela Europa com conferências para convenções sobre musicologia em Helsinki, Florença, Roma e Barcelona. Foi jurado em muitos concursos e festivais internacionais de música em volta do mundo. Foi entrevistado por James Mitchener para a PBC; também foi convidado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos para visitar importantes centros de música, incluindo Washington, DC; Philadelphia, Baltimore, New York, Chicago, San Francisco e Los Angeles. Atualmente, Ekiert traballha em vários projetos na Polônia e no exterior como um consultor "expert", escritor e jurado.

Eis o texto:

"CORAÇÃO DO GÊNIO" por Janusz Ekiert

Distância

No período de 150 anos desde a morte de Chopin, tem mudado a visão que se tem deste grande compositor, de sua vida, de sua obra e da interpretação destas, às vezes, inclusive indo de um extremo ao outro. Apesar da admiração, veneração e arrebatamento que o público sentia por ele tanto em vida quanto hoje, sua genialidade e questões pessoais foram vistas de maneira diferente pelos que com ele tiveram algum contato, pelas pessoas do "fin-de siècle", por aquelas que viviam no intervalo entre as duas guerras mundiais e pelas pessoas de hoje em dia.

Apesar do generalizado respeito e do amor a seu gênio, durante um longo tempo a força de sua originalidade foi incompreendida ou tratada como excentricidade. Na época do florescimento do Romantismo, interpretavam-se com frequência suas obras como se fossem elas compostas por alguém histérico que paulatinamente morria à prestação. A reação que seguiu a Primeira Guerra Mundial (estética anti-subjetiva), a busca da assim chamada fidelidade ao autor e a procura dos textos originais livres das inserções editoriais (permitindo a execução de somente o que está contido na esquemática e limitada notação musical, bem como as recomendações de não executar a música de Chopin com volume, velocidade e expressão nem de mais nem de menos), tudo isso reduzia a sensação, o encanto, o estilo e a imaginação e causava interpretações estereotipadas de suas composições.

No Romantismo, as pessoas tinham a tendência de inserir alguns conteúdos literários e episódios verdadeiros ou imaginários em suas obras e vida. Seus mais recentes biógrafos e pesquisadores livram, séria e escrupulosamente, sua música e vida desses adornos, negligenciando-os e assim indo ao outro extremo da inverdade. Desenvolveu-se um tipo de biografia científica que tendia a considerar fatos que eram difíceis de documentar como se eles nunca tivessem realmente ocorrido. O Romantismo e mesmo o Pós-Romantismo idealizavam e pintavam a cal a imagem de Chopin.

No cinema dos anos 70, estabeleceu-se um movimento que retratava o mundo, inclusive a parte mais elegante e emocionante dele, de uma perspectiva da lata de lixo e da sarjeta. Com referência a biografias de gênios, tentou-se trazer à luz do dia seus pontos fracos e ridículos, suas anomalias e os fatos mais embaraçosos e imorais.

Equívocos

Durante a vida de Chopin, não foram apreciadas suas revolucionárias harmonias e sons característicos do folclore polonês, mas que não cabiam na escala maior-menor, em vigor na época do Classicismo e do Romantismo. Foram questionadas suas hipérboles rítmicas e a composição das suas sonatas. O finale da Sonata (nº 2) em Si Bemol Menor (Op. 35), durante quase cem anos, parecia estar acima da compreensão do público. Ele era tão pouco típico, que parecia um exótico, veloz estudo, em que não se podia reconhecer nenhuma melodia, harmonia ou ritmo. A brevidade desse finale, que dura não muito mais que um minuto, parecia perturbar as proporções da forma sonata. O público precisou ainda de cem anos para se conscientizar que se tratava de uma aragem intensa do som, uma projeção de um som de cor autêntica, que aquele finale anunciava uma época em que a forma seria determinada exatamente pela cor do som (=timbre).

Na época de Chopin, o papel da cor na pintura e na música estava se tornando um assunto em moda. Berlioz já estava trabalhando no seu "Grand Traité d' Instrumentation et d' Orchestration Modernes", que, publicado em 1844, passou a ser o evangelho dos compositores. Em seus próprios Prelúdios, Estudos e Noturnos, Chopin transformou o tratamento do piano: o sistema e a concentração do som. Ele forneceu as bases para a moderna cor do som pianística. Ele descobriu a cor do som pianística nos cânones originais do acompanhamento, nos rápidos pianissimos que, no caso de Chopin, embora permanecessem uma melodia, já anunciavam aragens da cor do som. A contínua irresolução e inconstância da tonalidade em suas sonatas constituíam uma nova relação entre melodia, harmonia e estrutura. A evanescência da tonalidade e as intermináveis modulações eram sua originalidade. Vários anos mais tarde elas se tornaram a regra com Wagner. Chopin foi uma das mais fortes personalidades artísticas na história da cultura mundial, não exatamente da música. Confinou-se no piano, não escreveu óperas nem sinfonias. Não obstante, transformou a música para piano numa potência artística verdadeiramente autônoma.

A ilimitada heterogeneidade da melodia, da harmonia e da cor do som, da estrutura, bem como idéias que associam todas essas coisas são, com frequência, a causa de equívocos nos Concursos Chopin de Varsóvia: Que interpretação está de acordo com o espírito de sua música e qual não está? O pianista deve escolher e destacar certas características em detrimento de outras. Do contrário, tocar Chopin transforma-se numa média estética pedantemente dosada, em que há de tudo um pouco, mas, de fato, nada. Não se pode sem nenhuma interrupção desenvolver uma bonita ligadura, sua atmosfera e tensão, o refinamento da arte do desenhista e,"en passant", destacar o gosto por todas as interessantes consonâncias e a concatenação de acordes, uma característica rítmica ou cifra do acompanhamento, uma interessante mancha de cor , para fazer surgir uma voz interessante no baixo, para ajustar tudo isso à dinâmica e ao andamento. Eis que têm surgido muitos pianistas que destacam quão fascinante e original é essa música. Outros deleitam-se com o que é bonito e natural. Acontece que essas diferenças, também, são uma fonte de controvérsias.

Durante algum tempo, até mesmo a data do nascimento de Chopin foi uma questão de controvérsia. Se se der crédito aos documentos, placas comemorativas e enciclopédias, Chopin nasceu em 22 de fevereiro de 1810. Mas ele próprio sustentava que havia nascido em 1º de março. Sua própria mãe confirmou a última data. Ele celebrava seu aniversário em 1º de março. Essa é a data que pôs no passaporte e mencionou-a, enquanto em Paris, à "Biographie Universelle des Musiciens" de Fétis. Segundo documentos oficiais, isto é, seus atestados de nascimento e de batismo, ele veio ao mundo em 22 de fevereiro. Foi batizado tarde, porque a família queria que Fryderyk Skarbek fosse seu padrinho. Skarbek, estava estudando em Paris e os Chopins esperaram seu consentimento. O pai de Chopin tinha má memória para datas; podia esquecer a data do próprio nascimento. Lembrava que seu filho havia nascido numa quinta-feira, mas, talvez, tenha contado 8 semanas para trás no lugar de 7, quando estava cumprindo as formalidades. Eis como surgiu o erro. Afinal, dito e feito: tanto o atestado de nascimento como o de batismo contém grafia errônea do sobrenome "Szopen" (Chopyn, Choppen). Ninguém corrigiu isso.
(Continua na Parte 3 desta série)



* Francisco José dos Santos Braga, cidadão são-joanense, tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Além de escrever artigos para revistas e jornais, é autor de dois livros e traduziu vários livros na área de Administração Financeira. Participa ativamente de instituições no País e no exterior, como Membro, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ e Fundação Oscar Araripe em Tiradentes-MG. Possui o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com), um locus de abordagem de temas musicais, literários, literomusicais, históricos e genealógicos, dedicado, entre outras coisas, ao resgate da memória e à defesa do nosso patrimônio histórico.Mais...

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

2010 - ANO CHOPIN > > > Parte 1 > > > COMEMORAÇÕES NA POLÔNIA E NO BRASIL


Por Francisco José dos Santos Braga




Na Polônia

As comemorações dos 200 anos do nascimento de Fryderyk Chopin constituem uma iniciativa da Unesco. A temporada de comemorações ao 200º aniversário do músico foi inaugurada em 7 janeiro com um concerto de gala no Teatro da Filarmônica de Varsóvia estrelado pelo pianista chinês Lang Lang, com 27 anos de idade. O Ano Chopin já tinha sido inaugurado na noite de primeiro de janeiro de 2010.
O ministro polaco da Cultura, Bogdan Zdrojewski, disse que haverá por todo o mundo 2000 iniciativas, 1200 das quais na Polônia.
Também Waldemar Dąbrowski, que já foi ministro da Cultura, declarou que as comemorações não têm como objetivo popularizar a música de Chopin, pois "esta não precisa de ser popularizada", mas destinam-se a "apresentar ao mundo a imagem da Polônia de hoje através da música de Chopin". "Será a maior campanha de promoção da Polônia de hoje, maior do que a organização do Euro 2012 de futebol que só dura algumas semanas", acrescentou em declarações à rádio polaca. Por todo o mundo estão previstas 2000 iniciativas comemorativas, incluindo concertos e recitais de música clássica, jazz, blues e rock, além de balés, exposições, espetáculos de teatro, filmes e desenhos animados.

Os momentos significativos das comemorações do Ano Chopin, na Polônia, serão em agosto, com o festival internacional "Chopin e a sua Europa". O XVI Concurso Internacional Chopin, de 2 a 23 de outubro, um acontecimento quinquenal com imenso prestígio, este ano será acompanhado de numerosos recitais e concertos excepcionais. O site www.chopin2010.pl contém informações pormenorizadas em diferentes línguas.

Fryderyk Franciszek Chopin (mais conhecido na grafia francesa Frédéric François Chopin) nasceu em Żelazowa Wola, um lugarejo próximo a Varsóvia em 1810. Depois de ter vivido na Polônia até aos 20 anos, Fryderyk Chopin deixou o país natal em novembro de 1830, antes da insurreição polaca contra a Rússia, instalando-se primeiro em Viena e depois em Paris, onde morreu aos 39 anos, em 17 de outubro de 1849.

Entre os destaques do Ano Chopin na Polônia está uma série de concertos entre 22 de fevereiro e 1º de março, as duas possíveis datas de nascimento do compositor. Dela participarão pianistas de renome, como Martha Argerich, Varrick Ohlsson e Krystian Zimerman.
"Fevereiro costumava ser considerado o mês [em que o músico nasceu], mas recentemente musicólogos descobriram que, em cartas a sua mãe, Chopin regularmente mencionava o 1º de março como data de seu aniversário", explica Alicja Knast, curadora do novo Museu Chopin, em Varsóvia. "Chopin era um gênio, portanto, por que não haveria de ter dois aniversários? Além disso, todo compositor precisa ter uma certa aura de mistério."

Entre suas obras mais populares, constam as mazurcas, baseadas no folclore polonês. Como explica a musicóloga Monika Strugala, coordenadora do projeto, as características nacionais da obra chopiniana estão associadas ao fato de, na época, a Polônia não constituir um Estado. No fim do século XVIII, seu território fora partilhado por Rússia, Áustria e Prússia, constituindo a cultura um meio de preservar o espírito nacional.
"Chopin deixou a Polônia sem saber que jamais retornaria. Ele era muito nostálgico, recordava os locais de sua infância, onde nascera e onde passara as férias. Dá para ouvir tudo isso em sua música."

Neste ano, a cidade de Brochów, na voivodia da Mazóvia, onde os pais de Fryderyk se casaram e ele foi batizado, promoverá inúmeros concertos, rememorando as apresentações do próprio Chopin na localidade.

Sanniki, também na voivodia da Mazóvia, é outra localidade que investiu para receber turistas de todo o mundo. Na propriedade do compositor, ele e seus amigos passaram um dia de verão em 1828. Assim, na ala esquerda da mansão foi instalado um centro dedicado à memória de Chopin. Um total de 17 milhões złotych foram investidos na comunidade para também comemorar o Ano Chopin.

Em Szafarnia, na voivodia de Kujawsko-Pomorskie, onde Fryderyk passou suas férias com seus amigos, o palácio da localidade abriga agora o Centro de Chopin, com uma sala de concertos e um pequeno museu.

Mas nada vai acontecer em Obrów, onde Chopin passou muitas das suas férias (talvez das mais interessantes de sua vida) e encontrou pela primeira vez a música rural, tendo aí coletado elementos para os temas que seriam utilizados em suas obras. Atualmente, a mansão onde ele ficava abriga a Prefeitura e o centro cultural do município. "Temos uma placa comemorativa de Chopin e uma sala de estar na mansão", desculpou-se Miroslaw Kusińska, secretário do centro.

Até pouco tempo atrás, os visitantes à capital polonesa tinham poucas chances de descobrir mais sobre o herói musical nacional, já que o museu que lhe é dedicado ficava comprimido no espaço de apenas três dependências. Porém em 1º de março de 2010 será inaugurado o novo museu multimídia.
Suas exposições deverão incorporar tanto elementos visuais como auditivos, incluindo panoramas sonoros e uma narrativa em áudio baseada nas cartas de Fryderyk Chopin.
"Traçando uma ponte entre o passado e o presente, queremos que o público vivencie Chopin. Uma das atrações será o mural externo, uma atividade de "street art", na qual se criará um enorme espaço onde queremos apoiar todo tipo de criatividade dos jovens", revela Knast. E acrescenta: é mais provável que os jovens participem quando recebem a chance de ser criativos.

Enquanto isso, em um dos principais estúdios cinematográficos da Polônia, na cidade de Łódź, uma equipe internacional roda um filme de animação em 3D baseado na música de Fryderyk Chopin. Máquina Voadora é uma co-produção da britânica BreakThru Films (dos realizadores do ganhador de Oscar "Pedro e o Lobo") e do estúdio polonês Se-Ma-For.

A trilha sonora é executada pelo pianista Lang Lang, o qual comenta sobre a sua participação: "Cinema de animação e música sempre estão estreitamente conectados, não há um contexto mais apropriado para reunir os dois.Foi um enorme prazer para mim compartilhar a música de Chopin com todo o mundo, ao fazer este filme".

No Brasil

Curitiba é a segunda cidade no mundo a iniciar as comemorações dos 200 anos de nascimento do compositor e pianista polaco Fryderyk Chopin, justamente ela, que é considerada a segunda maior concentração da etnia polaca fora da Polônia.
No recital do dia 11 de janeiro, o pianista Jan Krzysztof Broja apresentou os 24 Prelúdios de Chopin na Capela Santa Maria.

Jan Krzysztof Broja nasceu em Varsóvia em 1972 e é um vencedor de competições internacionais, em Vilno, Hanau, (1989), New Brunswick (1991), Bucareste (1995) e Pasadena (2002). Estudou música em Frankfurt, Hannover e Varsóvia, e logo após seu sucesso em Vilno, em 1999, fez sua estréia internacional, no Grande Salão do Conservatório Tchaikovsky, de Moscou. As temporadas seguintes o levaram às salas de concerto da Europa Oriental, Rússia, Ucrânia, Lituânia, Polônia e Iugoslávia. Sua participação na Filarmônica de Varsóvia, na temporada de 2003, foi aclamada pela crítica como uma das performances mais virtuosísticas e, desde então, tem sido um convidado frequente na Filarmônica Nacional Polaca de Varsóvia. Outras participações notáveis incluem festivais em Ravello, Bratislava e Festival de Música do Kremlin, em Moscou. Em 2005, ele foi membro do júri no Festival Internacional de Piano (XXI Festival), em Bucaramanga, Colômbia. Broja goza de uma agenda lotada como solista na Polônia e no estrangeiro, realizando, ocasionalmente, duo com Andrzej Bauer, um dos violoncelistas mais importante da Europa. Colaborou como consultor musical da produção da Academia de Roman Polanski, no premiado filme "O Pianista".
Seu CD gravado é dedicado à música de Karol Szymanowski, em que é o solista da parte do piano : Sinfonias nº 1 e 4, Concert Overture e Estudos(4) para Piano, com a Orquestra Filarmônica de Varsóvia, sob a regência de Antoni Wit.

Outras Comemorações Brasil-Polônia

Além do 2010-Ano Chopin, Brasil e Polônia comemoram 90 anos do estabelecimento de suas relações diplomáticas e também a primeira representação diplomática da Polônia independente aberta no exterior (Consulado Geral da Polônia em Curitiba).
A abertura do 2010-Ano Chopin em Curitiba é uma iniciativa do Consulado Geral da Polônia em Curitiba, em parceira com o ICAC- Instituto Curitiba de Arte e Cultura, Fundação Cultural de Curitiba e Prefeitura Municipal de Curitiba.

Blogs consultados:
http://iarochinski.blogspot.com
http://www.dw-world.de/dw/article/0,,5136702,00.html



* Francisco José dos Santos Braga, cidadão são-joanense, tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Além de escrever artigos para revistas e jornais, é autor de dois livros e traduziu vários livros na área de Administração Financeira. Participa ativamente de instituições no País e no exterior, como Membro, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ e Fundação Oscar Araripe em Tiradentes-MG. Possui o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com), um locus de abordagem de temas musicais, literários, literomusicais, históricos e genealógicos, dedicado, entre outras coisas, ao resgate da memória e à defesa do nosso patrimônio histórico.Mais...