sábado, 31 de dezembro de 2011

ANO INTERNACIONAL DA QUÍMICA 2011: MARIE CURIE


Por Francisco José dos Santos Braga



Artigo publicado na Revista Polonicus - Revista de reflexão Brasil-Polônia, Ano II, nº 2, jul/dez 2011, Curitiba, p. 56-74, disponível na Internet como volume nº 4 no endereço eletrônico 
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Introdução

Sendo hoje o último dia do ano de 2011 e tendo aguardado até esse exato momento para postar a minha última matéria do ano, é natural que tenha escolhido com muito cuidado o tema que encerrasse o ano de 2011. Teria que ser algo que tivesse um motivo muito especial e que fosse algo singular. Decidi homenagear a cientista polonesa Maria Skłodowska-Curie e reconhecer a importância dos feitos científicos dessa mulher no início do século passado, inicialmente na velha Europa, depois estendendo-os a todo o Mundo, modificando este desde então.


Ano Internacional da Química AIQ-2011

A Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), reunida em Glasgow de 31 de julho a 6 de agosto de 2009, proclamou o ano de 2011 como o Ano Internacional da Química (AIQ 2011), tendo como slogan “Química – a nossa vida, o nosso futuro”. Em comunicado oficial conjunto, a União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC) e a UNESCO destacaram que a agenda oficial de comemorações está inserida nas atividades da Década da Educação e do Desenvolvimento Sustentável (2005-2014), dando ênfase à importância da química para os recursos naturais sustentáveis.

Os organizadores do AIQ 2011 convidaram todos a comemorarem o centenário da entrega do Prêmio Nobel de Química à cientista polonesa Maria Skłodowska-Curie, bem como o da Associação Internacional das Sociedades de Química. De acordo com eles, o primeiro festejo constituía também uma homenagem pela contribuição das mulheres à ciência; o outro evento comemorativo dava a oportunidade de destacar a importância da colaboração científica internacional.

Para os fins desta matéria, que também pretende relatar a viagem de Marie Curie (forma afrancesada do nome da célebre cientista polonesa) ao Brasil em 1926, importa ressaltar principalmente que o ano de 2011, portanto, coincide com o 100º aniversário do Prêmio Nobel de Química concedido a Marie Curie (Varsóvia, 1867-Passy [no sanatório Sancellemoz], 1934), pela descoberta dos elementos rádio (Ra) e polônio (Po), sendo a denominação deste último uma homenagem à sua terra natal, pelo isolamento do rádio e pelo estudo desse elemento e dos seus compostos. Oito anos antes (1903), Marie tinha recebido o Prêmio Nobel de Física pela descoberta da radioatividade, juntamente com dois outros colegas cientistas: Pierre Curie (Paris, 1859-Paris, 1906), seu marido desde 1895, e Henri Becquerel (Paris, 1858-La Coisie, 1908).


Visita ao Brasil: chegada ao Rio de Janeiro

Madame Curie, como passou a ser conhecida mundialmente, veio ao Brasil acompanhada da filha mais velha, Irène, a convite do Instituto Franco-Brasileiro de Alta Cultura, mantido pela embaixada francesa no Rio de Janeiro. Sua estada entre nós durou 45 dias: em 15 de julho de 1926, mãe e filha desembarcaram do navio Pincio, no porto do Rio de Janeiro, e em 28 de agosto do mesmo ano voltaram à França a bordo do navio Lutetia . O Instituto organizou, na capital federal, tendo Madame Curie como a principal oradora, uma série de conferências sobre radioatividade na Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sediada então no Largo de São Francisco.

Entre esses compromissos acadêmicos programados, Madame Curie ainda encontrou tempo para conhecer pontos turísticos e culturais do Rio, tais como a Ilha de Paquetá, o Pão de Açúcar, o Jardim Botânico e o Museu Nacional, o qual mantinha um grande acervo científico na Quinta da Boa Vista.

Ela vinha ao Brasil com a aura de maior mulher cientista da Europa, quiçá do mundo, detentora de dois Prêmios Nobel, fundadora do Instituto do Rádio em Paris em 1909 que fazia pesquisas para tratamento do câncer, primeira professora a ministrar aulas na Universidade de Sorbonne, admirada mundialmente por ter desenvolvido aparelhos de raios-X, ter equipado veículos com eles e ter treinado enfermeiros para operá-los. Além disso, ganharam muita notoriedade suas ações durante a Primeira Guerra Mundial, por ter levado esses aparelhos de raios-X aos campos de batalha, para atendimento dos soldados feridos em combate. Finalmente, era reconhecida por seu trabalho valoroso pela divulgação da ciência e do conhecimento científico.

Ela não era a primeira cientista a visitar o Brasil no início do século XX. Na mesma época, outros vultos ilustres da química, física e matemática, visitaram o País , cuja pequena comunidade acadêmica, especialmente nas primeiras décadas do século, se achava receptiva aos principais nomes das ciências. Foi assim que o País recebeu os seguintes cientistas ilustres: os matemáticos Jacques Hadamard e Émile Borel, o antropólogo Paul Rivet e os físicos Albert Einstein e Paul Langevin.


Visita ao Brasil: viagem do Rio de Janeiro a São Paulo

A convite do governo do Estado de São Paulo, a cientista fez a viagem do Rio a São Paulo em trem noturno, em um carro especialmente reservado para si e sua comitiva. Acompanhavam-na sua filha Irène, Bertha Lutz, Dra. Carlota Pereira de Queiroz e Nininha Bastos para três dias de permanência na capital paulista. Foram recebê-las no dia 13 de agosto de 1926, na Estação do Norte (atual Estação Roosevelt), no bairro do Brás, autoridades, estudantes de medicina, personalidades da medicina e da ciência, dentre os quais se destacava Dr. Eugênio Lindemberg, da Sociedade de Química, bem como franceses residentes em São Paulo.

Alguns compromissos na capital paulista foram: palestra sobre radiologia na Faculdade de Medicina, em Pinheiros; visita ao Instituto Butantã e à Estação Biológica do Alto da Serra, a convite de seu diretor, o botânico Frederico Carlos Hoehne; e contatos com as autoridades do governo paulista, naturalmente.

Além desses compromissos oficiais, a própria Madame Curie decidiu atender convite do médico Dr. Francisco Tozzi para conhecer as fontes de águas radioativas existentes em suas Thermas de Lindoya (hoje Município de Águas de Lindóia), constituídas de três hotéis (Senado, Câmara e Catete), bem como do Grande Hotel Glória, em construção. Portanto, na manhã do dia 14 de agosto de 1926 partiu da Estação da Luz em viagem de trem até Mogi Mirim e ia acompanhada da filha Irène e de uma comitiva de cientistas brasileiros. O Dr. Tozzi enviou o seu filho Fernando, que falava bem o francês, ao encontro da cientista polonesa em Mogi Mirim. De Mogi Mirim todos seguiram de carro até Thermas de Lindoya, passando por Itapira.

Ao chegar, o grupo seguiu direto para o Grande Hotel Glória, onde o aguardava Dr. Tozzi. Depois de assinarem o livro de registro de visitas do Grande Hotel Glória (que tive em mãos quando de minha estada neste hotel, em fevereiro de 2007, quando constatei que Marie Curie tinha aposto ali sua assinatura inconfundível), consta que Madame Curie e sua filha, sempre acompanhadas por químicos de São Paulo, conheceram os hotéis, os pavilhões de banho, os locais de engarrafamento das águas, as fontes Santa Philomena e São Roque e os salões de emanações. Nesses últimos, ela demorou-se algum tempo apreciando a ebulição das águas, dizendo que as Thermas estavam talhadas a um grande futuro, felicitando o Dr. Tozzi, pois, de acordo com as observações ligeiras que fizera, “aquelas águas eram fortemente radioativas”.
Consta ainda que o Dr. Tozzi deu o nome de Madame Curie a uma das salas de emanações.

Em companhia de minha esposa Rute Pardini, no dia 26 de dezembro de 2011, estive entrevistando a neta do Dr. Tozzi, em Águas de Lindóia, Sra. Mírian Tozzi Bernardino, que reside ainda na casa que seu avô construiu (localizada hoje ao lado do Hotel Majestic e junto à praça que leva o nome de Dr. Francisco Tozzi). A referida senhora informou-me que muitos jornalistas têm ido à sua procura, especialmente neste ano de 2011. Até mesmo um coreano interessado em investir em engarrafamento das águas curativas, acompanhado de seu tradutor, esteve em sua residência, solicitando que Mírian fosse fotografada segurando uma antiga garrafa de água Lindoya que ainda conserva em seu poder numa espécie de “Museu Tozzi”, que é o que se transformou a sua casa, dotada de um grande acervo de objetos, fotografias, reportagens de época e textos colecionados pelo avô.

De acordo com a Sra. Mírian Tozzi, “Dr. Francisco Tozzi morreu em 1937 no Rio, — a então capital federal que tanto amava — numa casa na Vila de Santa Tereza. Era também muito amigo do Presidente Getúlio Vargas; por essa dupla razão, deu o nome a seus hotéis em Thermas de Lindoya de ‘Senado’, ‘Câmara’, ‘Catete’ e ‘Grande Hotel Glória’.
Em seguida à sua morte, foi formada uma sociedade para gerir os negócios deixados pelo Dr. Tozzi, constituída de três filhos e um genro. Na década de 40, essa sociedade decidiu arrendar o balneário completo para um norte-americano, Benjamin Finnenberg. Logo depois, o governo paulista decidiu desapropriar todo o balneário, impondo a cláusula de utilidade pública para o patrimônio ser transferido para o Estado de São Paulo.
Com a desapropriação das termas para o Governo paulista, a sala das emanações — a maior crença e esperança do seu avô — foi desativada e hoje o público não tem acesso a ela. Atualmente a piscina fica dentro de uma sala totalmente vedada, com acesso exclusivamente por uma pequena janela dentro do Balneário Municipal. Pode-se ver ainda o fundo de rochas, e todo o ambiente é aquecido. A água, cristalina, com temperatura de 30°C, brota de uma fenda com um quilômetro de profundidade. Este foi o lugar mais importante visto por Marie Curie em Thermas de Lindoya.
Na década de 50 foi construído o Balneário Municipal que, até hoje, apesar de incessantes promessas, de fato não foi transferido para o Município de Águas de Lindóia sob alegação de falta de documentos.

A Sra. Mírian Tozzi ainda me apresentou um exemplar do “Observatório do Capricórnio”, de Campinas, datado de 14/07/1994 (25 anos após o primeiro pouso de uma nave tripulada na superfície da Lua), o qual fez importante matéria sobre o Projeto Appollo e a conquista da Lua. Nas páginas 03/04, publicou as seguintes matérias: “O Brasil colaborando no Projeto Apollo” e “O Brasil envia água para a Lua”. Nesta última seção lê-se: “A participação do Brasil não se limitou aos observadores em terra pátria. Como curiosidade histórica, informamos que parte da água consumida pelos Astronautas da Apollo 11 era proveniente como subproduto gerado pelas baterias elétricas do Módulo de Comando. Porém, outra parte fôra objeto de pesquisa e estudo por ação da NASA, quando coletavam em diversas localidades águas de fontes minerais e, para nossa agradável surpresa, o Município da Estância Turística de Águas de Lindóia foi o fornecedor do suprimento potável conforme atesta o documento da Cervejaria Amazonas Ltda., hoje extinta. A segunda via original da Nota Fiscal 20218, encontra-se emoldurada e exposta no Gabinete do Exmo. Prefeito Municipal de Águas de Lindóia Dr. Martinho Marinho, como prova inconteste de mais esta colaboração do Brasil.”

A Sra. Mírian Tozzi mostrou-me ainda a página 87 do Correio Popular de Campinas de 19/07/2009, caderno B7, trazendo a seguinte matéria “Astronautas da Apollo 11 beberam das nossas fontes” com os seguintes dizeres, dentre outros: “A professora Mírian Tozzi Bernardino, de 75 anos, guarda, há quatro décadas, a cópia da nota fiscal nº 20.218, datada de 2 de abril de 1969, que atendia a um pedido de 100 dúzias de garrafas de 500ml da Água Lindóia Carrieri para a Missão Americana no Cabo Kennedy, na Flórida. O valor era de 226,00 cruzeiros novos. Disposta a provar que a cidade fundada pelo seu avô, Francisco Tozzi, participou efetivamente da primeira viagem do homem à Lua, Mírian também guarda uma garrafa de água de vidro, ainda cheia, com o rótulo consumido pelo tempo e a tampinha enferrujada. ‘Ela era das garrafas que foram para os Estados Unidos na época. A água foi retirada da Fonte Santa Philomena, que era do meu avô’, conta, mantendo o objeto guardado em uma estante como uma jóia rara da família.
Em uma procura ao redor do mundo pelos melhores produtos, a água teria sido escolhida pela NASA (National Aenautics and Space Administration) pelo seu elevado nível de radioatividade e grandes propriedades diuréticas. A sua baixa acidez e rápida absorção pelo organismo também contaram a favor. (...)
A professora lembra que seu avô começou a engarrafar a água ainda na década de 20 e que entre seus clientes mais ilustres estava o político, escritor e diplomata Ruy Barbosa. A partir da década de 50, muitas pessoas começaram a visitar Águas de Lindóia para fazer turismo e, de quebra, cuidar da saúde com longos banhos termais, consumo da água pura e muito descanso.
A fonte Santa Philomena, de onde saiu a água levada pela NASA, está localizada atrás do Balneário da cidade. A água que ali brotava já ganhou prêmios de qualidade na França e nos EUA, pois as suas propriedades incontestáveis fizeram de Águas de Lindóia a ‘capital termal do Brasil’.

A Sra. Mírian Tozzi, a seguir, informou-me sobre um filme-documentário chamado “Laboratórios Encantados”, de cuja gravação participou com o seu depoimento no dia 14 de agosto de 2011. Sob a direção de Érica Rodrigues, produção de Jam Pawlak e foto de Danilo Pimentel, foram colhidos depoimentos históricos do Prefeito Martinho Antônio Mariano, da Dra. Andréia B. Dahdal, da Vice-Cônsul do Consulado Geral da República da Polônia em São Paulo, Joanna Pliszka Ribeiro, e da própria Sra. Mírian. A equipe do filme-documentário realizou gravações inéditas na cidade de Águas de Lindóia, em busca de depoimentos sobre a passagem de Marie Curie pelas “Thermas de Lindoya”, em visita ao amigo cientista Dr. Francisco Tozzi, em 14 de agosto de 1926.

A Sra. Mírian Tozzi informou-me ainda sobre a apresentação da peça teatral “Radiação: A História de Maria Skłodowska-Curie” (tradução para Promieniowanie: Rzecz o Marii Skłodowskiej-Curie) da autoria do Diretor Każimierz Braun, com as atrizes Maria Nowotarska e Agata Pilitowska respectivamente no papel de Maria Curie e sua filha Ève, encenada em 30 de agosto de 2011 no Teatro do Museu Brasileiro da Escultura (MuBE), em São Paulo. O autor da peça e as atrizes são membros do Teatr Polski w Toronto (Teatro Polonês em Toronto). Os diálogos foram em polonês, com tradução legendada em português. A inédita realização esteve a cargo do Consulado Geral da República da Polônia em São Paulo, da Associação Polonesa Educativo-Cultural em São Paulo e do MuBE. Compareceu ao evento o Cônsul polonês em São Paulo, Dr. Jacek Such.

Pesquisando sobre a peça “Radiação”, descobri que, por trás das cenas da carreira acadêmica e pública de Maria, a sua vida privada foi muito complexa e plena de desenvolvimentos dramáticos. A peça mostra o caráter de Maria através dos diálogos entre ela própria e sua filha Ève. Outras pessoas são apresentadas e mostradas numa série de monólogos de Maria e nas fotos projetadas no horizonte. A projeção também mostra o panorama montanhoso que cerca o local da ação: o terraço no sanatório de Sancellemoz, nos Alpes franceses em 1934, aonde Maria foi para tratamento de uma misteriosa doença. Maria Curie vive seu último ano de vida e é cuidada por Ève, que aproveita sua estada nas montanhas para entrevistar sua mãe para o livro que está escrevendo. Maria relembra seus estudos, lutas, experimentos e descobertas, bem como seu amor com Pierre Curie e Paul Langevin, e sua amizade com Albert Einstein. Sua doença acabou sendo o resultado de overdoses de radiação. Ela morre sonhando com seu retorno a Polônia. No fim da peça tomamos conhecimento da honra e reconhecimento póstumos dados a Maria: seu corpo foi solenemente depositado no Panthéon de Paris.

A encenação teatral de “Radiação: A História de Maria Skłodowska-Curie” foi um grande sucesso de público e de crítica. Comentou Jam Pawlak sobre o evento no seu blog, em matéria denominada “Tributo a Maria Skłodowska-Curie no MuBE”: “Em noite de gala do Teatro Polonês do Canadá em São Paulo, a ilustre presença de Mírian Tozzi de Águas de Lindóia, cidade que Maria Skłodowska-Curie visitou quando esteve no Brasil. Mirian Tozzi também é uma notável personagem da produção cinematográfica Laboratórios Encantados. Um verdadeiro tributo cultural para a extraordinária cientista Maria Skłodowska-Curie, com toda a força do Elemento Água, de Águas de Lindóia para o MuBE e para o Mundo.

Fui, em seguida, ao já citado Balneário Municipal de Águas de Lindóia, projetado pelo arquiteto Oswaldo Arthur Bratke, construído na década de 50 e no interior do qual se podem ver jardins que constituem ainda projeto urbanístico original de Burle Marx, bem como mosaicos do artista plástico Lívio Abramo (Araraquara, 1903-Assunção, Paraguai, 1993), verdadeiros “painéis em pastilhas vítreas que concebeu e executou nos vistosos espaços do Balneário” no ano de 1958, intitulados assim (da direita para a esquerda): Brumas do Entardecer, Anoitecer, Noite sem Lua, Meio-Dia, Noite de Luar, Arco-Íris e Amanhecer.

Além dessas obras de arte, encontrei dentro do Balneário uma homenagem do Município de Águas de Lindóia a Marie Curie, uma placa alusiva à presença dela em Águas de Lindóia, com os seguintes dizeres:
“Homenagem póstuma à Madame Curie pela comemoração do Centenário do prêmio Nobel de Química, entregue a uma das mais ilustres cientistas que visitou nossa cidade e confirmou o teor de radioatividade de nossas águas.
'Na vida nada deve ser temido, somente compreendido. Agora é hora de compreender mais para temer menos.'
Madame Curie
Águas de Lindóia, março de 2011
Prefeitura da Estância Hidromineral Águas de Lindóia”.
De acordo com informações de Mírian Tozzi, a colocação da referida placa comemorativa contou com a presença ilustre do Consulado da Polônia em São Paulo.

Num painel, em frente à placa comemorativa, pude ler ainda o seguinte texto (vide imagem ao lado):
"Thermas de Lindoya
O trabalho do Dr. Tozzi atraiu a atenção de Madame Curie, Prêmio Nobel de Química, que realizava pesquisas sobre radioatividade, na França.
Em 1928 (sic), Madame Curie veio ao Brasil e visitou as Thermas de Lindoya e a radioatividade foi tema de muitas conversas. Anos mais tarde, descobriu-se que a água mineral de Águas de Lindóia atingia 3.179 maches na escala radioativa, contra 185 maches das famosas fontes de Jachimou, na Tchecoslováquia, e 155 maches das fontes de Bad Gastein, na Áustria. A radioatividade natural da água é extremamente benéfica para o organismo, e Águas de Lindóia possui, comprovadamente, a água mineral de maior radioatividade em todo o planeta.”

Também pude ver, em quadro com textos informativos aos usuários, o texto “Indicações das Águas”, onde se lê, dentre outras indicações, a seguinte:
BALNEOTERAPIA: Destinadas à balneação, as águas podem ser usadas na temperatura natural, ou em temperaturas mais elevadas, sempre de acordo com a prescrição médica. O balneário conta com 62 quartos de banhos de imersão abastecido com águas medicinais que provêm diretamente das fontes, com a temperatura de 28°C. Esta temperatura pode, porém, ser aumentada de conformidade com a prescrição médica. Durante o banho de imersão, além da absorção cutânea, os usuários recebem ainda, os benefícios da absorção pulmonar da radioatividade, pois a atmosfera no recinto fica fortemente carregada de gases desprendidos. Os eczematosos e os portadores de erupções cutâneas diversas podem fazer, no período da manhã, o uso dos banhos de imersão.

Noutro texto sobre “Termalismo”, no mesmo quadro, pode-se ler o seguinte parágrafo final:
As águas medicinais de Águas de Lindóia devem sua fama internacional à ação terapêutica comprovada pela medicina desde a época do fundador da cidade, Dr. Francisco Tozzi. O sistema de distribuição da água, imediatamente após sua surgência nas fontes, beneficia os banhistas com todas suas propriedades medicinais.

Também, no dia seguinte, 27 de dezembro de 2011, em companhia de minha esposa, estive presente a uma importante exposição chamada “Vida e Obra de Maria Skłodowska-Curie (1867-1934)”, título que certamente foi adaptado para comemorar a visita da ilustre cientista polonesa às Thermas de Lindoya.
Por isso, no próprio cartaz anunciando a exposição, lê-se:
O Villa di Mantova Resort Hotel tem a honra de apresentar a EXPOSIÇÃO
MARIA SKŁODOWSKA-CURIE ESTEVE AQUI
de 29 de novembro de 2011 a 10 de janeiro de 2012
em homenagem ao Centenário
do Prêmio Nobel de Química.
“Os trabalhos de Dr. Tozzi, fundador de Águas de Lindóia, atraiu o interesse de Maria Curie que visitou a cidade em 1926 e pesquisou a radioatividade natural da água benéfica ao organismo.”

Exposição "Maria Skłodowska-Curie este aqui" no Villa di Mantova Resort Hotel, de Águas de Lindóia-SP


A referida exposição foi patrocinada pela Embaixada da República da Polônia e pelos Consulados Gerais da República da Polônia em São Paulo e Curitiba.
Os patrocinadores dão crédito aos textos da autoria de Małgorzata Sobieszczak-Marciniak e Hanna Krajewska, ao design gráfico e impressão de Paweł Ciepielewski e à tradução para o português da seguinte equipe do Departamento de Química da Universidade do Minho, Braga, Portugal: João Paulo André, Maria de Fátima Bento, Iwona Kużniarska-Biernacka, Paula Margarida Ferreira, Luís Sieuve Monteiro e Carlos Jorge Silva.

Jam Pawlak, no seu blog oficial, relata as atividades que estavam previstas para a data da inauguração da célebre exposição, dia 29 de novembro de 2011, conforme publicado em 27/11/2011:
O tributo ‘MARIA SKŁODOWSKA-CURIE ESTEVE AQUI’ acontecerá no próximo dia 29 de novembro na cidade de Águas de Lindóia, São Paulo, Brasil. A programação terá início no Balneário Municipal de Águas de Lindóia às 15 horas com a cerimônia de descerramento de placa comemorativa em homenagem à visita da renomada cientista à cidade em 1926.
A programação cultural estará centralizada no Villa Di Mantova Resort Hotel, terá início às 15 horas com a leitura dramática da peça de teatro “Radiação” de Każimierz Braun; exibição do filme “Madame Curie”, sobre a vida e a obra de Maria Skłodowska-Curie; e vernissage, exposição histórica 100 Anos do Prêmio Nobel de Química para Maria Skłodowska-Curie.

Dos cartazes dessa respeitável exposição extraí alguns trechos mais relevantes que elucidarão, um pouco mais, fatos da vida de Maria Skłodowska-Curie, bem como facetas de seu caráter, e que transcrevo abaixo.
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1. Trecho do discurso de Pierre Curie perante a Academia de Ciências de Estocolmo em 6 de junho de 1903, por ocasião da cerimônia de entrega do prêmio Nobel da Física partilhado com outros dois cientistas, a saber, Maria Skłodowska-Curie e Henri Becquerel: “Pode-se conceber ainda que, em mãos criminosas, o rádio pode tornar-se muito perigoso, e cabe aqui perguntar se a Humanidade tem vantagem em conhecer os segredos da natureza, se será suficientemente madura para tirar partido desse conhecimento ou se, pelo contrário, este lhe será prejudicial. O exemplo da descoberta de Nobel é um desses casos: a descoberta dos explosivos permitiu ao homem a realização de obras admiráveis. Contudo, estes, nas mãos de criminosos, são um terrível meio de destruição, podendo conduzir-nos à guerra. Sou daqueles que pensam como Nobel: serão mais os frutos positivos que os negativos que a Humanidade saberá colher das novas descobertas.”
Obs. Esse discurso é profético, se considerarmos os acontecimentos da II Guerra Mundial e os testes nucleares já realizados e os que atualmente estão sendo realizados pela China e Paquistão.

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2. Trechos do livro “Marie Curie, a Life” da autoria de Susan Quinn (New York: Simon & Schuster, 1995, 509 p., traduzida para o português com o título “Marie Curie, uma Vida”, São Paulo: Scipione Cultural, 1997, 526 p., trad. Sônia Coutinho), extraídos do diário de Maria Skłodowska-Curie:
Em carta de 10 de agosto de 1894 dirigida a Maria, Pierre Curie assim escreve: “Seria algo muito bonito — coisa que não me atrevo a desejar —, se pudéssemos passar a nossa vida juntos, sob o efeito hipnotizador dos nossos sonhos: o teu sonho patriótico, o nosso sonho humanitário e o nosso sonho científico.”
Em 19 de abril de 1906: “Entro no quarto. Alguém diz: ‘Ele morreu.’ Poderá alguém compreender tais palavras? Pierre está morto, ele que eu vi partir vivo esta manhã, ele que eu esperava apertar em meus braços esta tarde; agora só o verei morto e isto é para sempre. Eu repito o seu nome, de novo e para sempre ‘Pierre, Pierre, Pierre, meu Pierre’, mas isso não faz com que ele regresse; ele partiu para sempre, deixando nada mais que desolação e desespero.”
Quando da morte do marido, foi admitida como “chargée de cours” na Sorbonne e, só mais tarde, professora: “Eles sugeriram-me que eu ocupasse o teu lugar, meu Pierre... eu aceitei. Não sei se fiz bem ou mal. Disseste-me muitas vezes que gostarias que eu ensinasse na Sorbonne.”
Durante a I Guerra Mundial, quando a Polônia se tornou palco da guerra entre a Rússia e a Alemanha e ela levava aparelhos de raios-X aos campos de batalha, para atendimento dos soldados feridos em combate: “No nosso tempo, quando os sentimentos de nacionalismos estão particularmente exacerbados... só podemos ter esperança numa reconciliação e numa paz duradoura entre os 25 milhões de Poloneses e a Rússia, com base num respeito absoluto pelos direitos das nações.”
E ainda: “Eu e todos os Poloneses, para quem a França é um país adotivo, e ao qual estamos ligados por profundos laços de amizade e gratidão, desejamos a união dos nossos compatriotas de forma a juntar forças com a França, na luta contra a Alemanha.”

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3. De Albert Einstein sobre a morte de Maria Skłodowska-Curie: “A Senhora Curie morreu em Sancellemoz em 4 de julho de 1934. A doença que a vitimou foi uma anemia aplástica de desenvolvimento rápido. A medula óssea não reagiu, provavelmente devido aos danos provocados por uma longa exposição à radiação.”
E ainda: “Agora que terminou a vida de uma personalidade tão notável como a da Senhora Curie, as recordações que temos dela não se devem limitar ao que os frutos do seu trabalho deram à humanidade. Os valores morais da sua personalidade excepcional têm provavelmente um significado mais profundo para as gerações vindouras, e para o curso da História, que os meros feitos intelectuais.”

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4. Trechos extraídos de anotações de Maria e Pierre Curie e de notícias na imprensa polaca: Em 18 de julho de 1898, quando da descoberta do polônio: “Nós suspeitamos que o material que separamos a partir da pechblenda contém um metal ainda desconhecido, com propriedades similares às do bismuto. Se a existência deste metal for confirmada, nós propomos que se designe por polônio, devido à nacionalidade de um de nós.”
Em 26 de dezembro de 1898, quando da descoberta do rádio: “Os fatos relatados fazem-nos acreditar que este novo composto radioativo contém um novo elemento que se designe por rádio. Apesar de estarmos certos de que este novo composto tem um teor muito elevado de bário, é mesmo assim muito radioativo. Consequentemente o rádio deve ser muitíssimo radioativo.”

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5. Sobre a descoberta da radioatividade artificial, havia o seguinte texto: “Em janeiro de 1934, Irène Curie e Frédéric Joliot descobriram a radioatividade artificial. A partir do bombardeamento de uma folha de alumínio-27 com partículas alfa, observaram a criação de um novo isótopo radioativo, o fósforo-30. Receberam o Prêmio Nobel de Química por esta descoberta, em 1935. Esta experiência demonstrou que, por bombardeamento de núcleos estáveis, é possível produzir radioisótopos que não existem na natureza. Atualmente podem produzir-se centenas de radioisótopos artificiais, com aplicações diversas."

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6. Sob o título de “Panteão”, havia o seguinte registro: “Em 20 de abril de 1995, as cinzas de Maria e Pierre Curie foram depositadas no Panteão de Paris, entre outros franceses famosos. Maria foi a primeira pessoa nascida fora da França e a primeira mulher a ser homenageada desta forma pelos seus feitos científicos."

Visita ao Brasil: viagem de São Paulo a Belo Horizonte

Continuando sua viagem, acompanhada da Deputada paulista Maria José de Queiroz e de sua filha Irène, Marie Curie embarcou no trem noturno de luxo até Belo Horizonte na noite do dia 15 de agosto de 1926, chegando a Belo Horizonte na manhã do dia seguinte. O seu grande interesse nessa viagem era conhecer o Instituto do Rádio, primeiro hospital especialmente dedicado ao câncer a funcionar nas Américas, construído em 1922 por iniciativa do Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Prof. Borges da Costa.

Madame Curie e Irène assinaram o livro de registro de visitas, conheceram as instalações do Instituto e participaram de uma fotografia histórica nos jardins do estabelecimento, ao lado de médicos, funcionários e do Dr. Borges da Costa, na qualidade de primeiro Diretor do Instituto.

No dia seguinte, conforme o Prof. João Amílcar Salgado, fundador do Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais, Marie Curie fez uma conferência sobre a radioatividade e suas aplicações. Na plateia, ouviram-na atentos estudantes de Medicina que depois se tornariam personalidades nacionais: Juscelino Kubitschek, Pedro Nava e João Guimarães Rosa.

Marie Curie e sua comitiva, ainda no mesmo dia, visitaram várias autoridades do Estado e a Prefeitura de Belo Horizonte, embarcando no mesmo dia (18/08/1926) para o Rio de Janeiro.

Os restos mortais de Maria Skłodowska-Curie descansam no Panthéon de Paris

Não foi sem motivos que um dos últimos atos administrativos de François Mitterrand, ao encerrar seu segundo mandato de sete anos como Presidente da França, resgatando desconsiderações históricas, tenha sido levar ao Panthéon as cinzas de Pierre e Marie Curie. Embora o frontispício daquele imponente monumento mostrasse o lema “Aux grands hommes, la Patrie reconnaissante” (A Pátria agradece aos grandes homens), Mitterrand destacou que “a cerimônia de hoje tem um caráter particular, pois entra para o Panthéon a primeira mulher honrada pelos seus próprios méritos.” Assim sendo, mesmo que fosse previsto que aquele era um local destinado aos grandes homens que a Pátria homenageia e aos quais está reconhecida, ali, naquele momento se acolhia uma mulher polonesa mais de 60 anos após a sua morte. Embora o destino tivesse reservado a Maria Skłodowska-Curie um “gran finale”, ninguém em sã consciência imaginaria seus restos mortais sendo levados ao Panthéon de Paris!
Lembro finalmente que, até 2002 (antes do Euro), a nota de maior valor (500 francos) estampava numa das faces o casal Curie e na outra, seu Laboratório.

O professor e pesquisador Attico Chassot, em matéria postada em 18/6/2011 em seu “Blog do mestre Chassot”, nos lembra certas cenas dolorosas vivenciadas por Marie Curie, depois ampliada por outra matéria postada em 25/6/2011 no mesmo blog. Na primeira matéria se lê:
Vale recordar como Marie Curie, em 1911, perdeu por um voto o acesso à Academia de Ciências da França por ser mulher, por ter uma possível ascendência judia e por ser estrangeira, ainda oriunda de um país periférico. Talvez tenha sido a primeira das três qualidades a mais discriminadora. Mas uma mulher que se alçava com destaque em uma seara masculina precisava ser detida.

“Madame Curie”, romance biográfico de Ève Curie

O leitor desta matéria pode estar a perguntar-se sobre a segunda filha de Marie e Pierre Curie, Ève. Visitando a palavra de entrada “Ève Curie” na Wikipédia, ficamos sabendo que foi a única pessoa de sua família a não receber o prêmio Nobel. Em compensação, tornou-se importante escritora francesa, pianista/concertista, crítica musical, jornalista e humanista, realizando inúmeras palestras em defesa da liberdade. Como concertista se apresentou na França e Bélgica e como crítica musical escreveu para diversos jornais da França. Deixou dois livros biográficos: “Madame Curie”, a biografia de sua mãe, livro escrito em 1937 (traduzido para a língua portuguesa por Monteiro Lobato em 1938), que se transformou em filme produzido por Sidney Franklin para o Estúdio MGM, estrelado por Greer Garson (como Marie) e Walter Pidgeon (como Pierre) em 1943; e “Jornada entre Guerreiros”, traduzido para o português por Wilson Veloso em 1944, onde narra suas viagens por vários países, no front da II Guerra Mundial, a saber: norte da África, Iraque, Irã, Rússia, Índia, Burma (hoje Myanmar) e China.

Sobre o filme "Madame Curie", merece destaque o fato de Pierre, no começo com posturas machistas em relação às possibilidades de uma mulher ser cientista, render-se em seguida aos encantos e à inteligência de Marie. As pesquisas para o isolamento do rádio são muito bem mostradas no filme em preto e branco com a duração de 128 minutos e classificado como um drama biográfico. Há um mote que embala a obra cinematográfica: “É preciso buscar colocar as pontas dos dedos em uma estrela.

Na II Guerra Mundial, o regime de Vichy retirou-lhe a sua cidadania francesa, razão por que se retirou para os Estados Unidos. Após a guerra foi editora do jornal francês Paris-Press no começo dos anos 50; também foi consultora especial na secretaria geral da OTAN.
Em 1954, casou-se com Henry Richardson Labouisse, posteriormente embaixador dos Estados Unidos na Grécia, de 1965 a 1979, diretor executivo da UNICEF e agraciado com o Prêmio Nobel da Paz em 1965, tendo morrido em 1987. Com isso, ainda que indiretamente, Ève seguiu a tradição de sua família.

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Trechos selecionados do filme “Maria Skłodowska-Curie” produzido pela GRAFI Studio Filmowe, em 2002, sob os auspícios do Museu Maria Skłodowska-Curie em Varsóvia

“O estudo da radioatividade moldou o caráter da Física e da Química contemporâneas. Introduziu-se em todas as áreas das ciências exatas e aplicadas e, em grande medida, influenciou o caráter e a natureza da cultura contemporânea no mundo.”

“Durante toda a sua vida, Maria Curie manteve contatos próximos com a Polônia. Em 1911, apoiou, em grande medida, a construção do sanatório de Dłuski em Zakopane. Em 1913, tornou-se chefe de honra do laboratório de radiologia da Sociedade Científica de Varsóvia e, graças à sua iniciativa e ajuda, foi criado com fundos de uma angariação pública o Instituto do Rádio em Varsóvia. Em 1925, participa da cerimônia de colocação da pedra angular na construção do edifício do Instituto na Rua Wawelska, nº 15.
Na América, Maria obtivera uma dádiva de rádio para a Polônia. No seu país de origem, foi homenageada com a edificação de um Instituto com o seu nome. Maria foi seu mecenas e sua protetora até ao fim de seus dias. Hoje, o Instituto denomina-se Instituto de Oncologia Maria Skłodowska-Curie e, na praça, onde foi erigido, encontra-se a estátua da sua mentora.”

“A grande senhora polaca pressente que o seu contributo terá grande peso sobre o futuro do mundo. Contudo, o seu principal objetivo era despertar nos cientistas o sentimento de co-responsabilização pelo destino da civilização, para o desenvolvimento da qual os cientistas tinham tido grande influência.
O seu contributo científico foi aplicado à terapêutica medicinal. Foi com raios de rádio que começaram a ser destruídos os tecidos cancerígenos e, por sua vez, os isótopos revolucionaram a biologia.
Sem as descobertas de Maria Curie não haveria reatores atômicos, nem a humanidade poderia nutrir esperança relativamente a esta fonte de energia. Sem energia nuclear também não existiria a hipótese de passar do mero reconhecimento do espaço à conquista do cosmos. Não se sabe se a grande senhora polaca previu que as suas descobertas iriam ainda possibilitar aos vindouros a criação de uma terrível arma. Certo é que, como humanista e vítima de doença derivada da radioatividade, desejaria tê-lo evitado.
Maria Skłodowska morreu a 4 de julho de 1934.”

“A casa, onde nasceu, na Cidade Velha em Varsóvia, alberga hoje a sede da Sociedade Polaca de Química e, sob sua tutela, o Museu Maria Skłodowska-Curie. O museu é visitado com muito agrado por inúmeras excursões de todo o mundo. Os objetos aqui expostos e as recordações despertam grande interesse e lembram o papel que a nossa grande compatriota desempenhou no desenvolvimento da ciência contemporânea. Albert Einstein afirmou que Maria foi a única pessoa a quem a fama não transtornou.”

Este filme teve a sua tradução realizada pela Profª Teresa Fernandes Swiatkiewicz, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.


Agradecimentos
A Mírian Tozzi, pelo depoimento e cessão do filme polonês e do acervo sobre a visita de Marie Curie a Thermas de Lindoya.
A Rute Pardini, pela tomada de fotografias e imagens presentes neste texto.


Sites consultados
Marie Curie no Brasil – Conselho Regional de Química – IV Região – http://crq4.org.br/default.php?p=texto.php&c=quimicaviva_mariecurie_brasil



Marie Curie: também cenas dolorosas –

Química Nova – Ano Internacional da Química – http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-40422011000100001&script=sci_arttext

Produção cinematográfica “Laboratórios Encantados” –
http://jampawlak.blog.uol.com.br/ acessando os seguintes temas em “Histórico:
1) Laboratórios Encantados em Águas de Lindóia (17/08/2011)
2) Radiação: A História de Maria Skłodowska-Curie (23/08/2011)
3) Tributo à Maria Skłodowska-Curie no MuBE (13/09/2011)

Maria Skłodowska-Curie esteve aqui... Águas de Lindóia, SP, Brasil –

Imagens:
1) Foto de Marie Curie jovem
2) Foto da chegada de Marie Curie ao Grande Hotel Glória em 14/08/1926
3) Foto do Dr. Francisco Tozzi, o fundador do Município de Águas de Lindóia
4) Foto do passeio de Marie Curie pelas Thermas de Lindoya
5) Foto da antiga sala de emanações

6) Foto da Nota Fiscal comprovando venda da Água Lindóia Carrieri para a Missão Americana no Cabo Kennedy, Fl.-USA
7) Foto de um dos 7 mosaicos compostos por Lívio Abramo, datado de 1958, que se encontra no interior do Balneário Municipal de Águas de Lindóia
8) Foto da placa comemorativa do Centenário do Prêmio Nobel de Química entregue a Marie Curie em 1911 e da sua visita a Thermas de Lindoya em 1926, que se encontra no interior do referido Balneário
9) Foto de placa constatando o mais elevado teor de radioatividade de todo o planeta, verificado na água mineral de Águas de Lindóia, comparado com o 2º e 3º lugares, que se encontra no interior do referido Balneário
10) Foto de Marie Curie próximo à sua morte



* Francisco José dos Santos Braga, cidadão são-joanense, tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Além de escrever artigos para revistas e jornais, é autor de dois livros e traduziu vários livros na área de Administração Financeira. Participa ativamente de instituições no País e no exterior, como Membro, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ e Fundação Oscar Araripe em Tiradentes-MG. Possui o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com), um locus de abordagem de temas musicais, literários, literomusicais, históricos e genealógicos, dedicado, entre outras coisas, ao resgate da memória e à defesa do nosso patrimônio histórico.Mais...

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Adeus à vida literária em 1961 do poeta e jornalista são-joanense Lincoln de Souza

Por Francisco José dos Santos Braga

MEUS HAI-KAIS


Beijos

Quando eu te beijava
punha em meu beijo todo o coração,
mas tu me beijavas só com a boca ...

Libertação

“Tout passe ...”
Um dia, na minha pobre memória,
serás uma flama extinta ... Felizmente.

Do céu caiu uma estrela ...
Quando à noite me levavas
qual cego, na escuridão,
cuidei que eras uma estrela
me levando pela mão ...

Arcozelo, 6/2/19
67


Paisagem Japonesa

Eis aí a “Paisagem Japonesa”:
— O Fuji, cerejeira, uma “musmê”
contemplando o cenário, — uma beleza
que apenas no Japão é que se vê.

Olha tudo com calma e, com carinho,
numa nipônica toada então
tu, fazendo vibrar teu velho pinho,
manda o fruto da tua inspiração!

Rio, 8/1/1969


Lincoln de Souza: Miscelânea [s.l.], 1969?. [sem paginação].

I. Introdução

Neste meu presente trabalho, o tema principal é o da despedida do são-joanense Lincoln Teixeira de Souza (1894-1969). Despedida da vida literária, da carreira do homem de letras. Antes já havia se despedido da sua carreira de desenhista e caricaturista nas artes plásticas; a certa altura do texto, que se verá abaixo, confessa que "dela me afastei há muito tempo, sem nenhum pesar, por reconhecer a mediocridade das minhas produções" (desenhos e caricaturas). Restava-lhe, portanto, dar prosseguimento à sua vida de jornalista. É o que veremos nos textos selecionados para este trabalho, que nos dão a dimensão exata de um intelectual de peso através de seu depoimento honesto, ao decidir-se a encerrar sua vida literária.

Antes, porém, de apreciarmos o material colhido em fontes primárias existente na Biblioteca Municipal Baptista Caetano de Almeida, de São João del-Rei, vou fazer uma breve exposição do "state of the art" da crítica literária.


CAMPOS e CURY (1997) mostraram que um novo conceito de “apropriação” das fontes por parte do pesquisador/sujeito vai além do de preservação e de memória. Tais fontes não podem limitar-se a documentos, sobretudo os impressos; envolvem, antes, uma infinidade de objetos (documentos e objetos pessoais, fotos, lembranças de viagens, correspondências, anotações, recortes de jornais, etc.), que o pesquisador busca, ao tentar estabelecer uma relação com o seu objeto. Sob essa moderna epistemologia, que submete a investigação e a pesquisa a uma “radical força desconstrutora” dos sujeitos, as fontes saem da sua posição “primacial” para a de “ponto relacional”. Nessa condição, a linguagem se transforma em relação de intertextualidade, já que lhe é inerente o sentido da interdependência entre o sujeito e o objeto, e de interdisciplinaridade, já que são chamadas a dar explicações iluminadoras várias ciências que envolvem a linguagem e a memória.
A crítica literária contemporânea, por exemplo, desvencilha-se da obsessão exclusivista com o 'texto' no seu sentido estrito, voltando-se também para os seus 'arredores', trazendo à frente da cena os rascunhos, as anotações, as sublinhas, a correspondência do autor, as fotos, a marginália, os objetos de uso pessoal do escritor. Tudo isso constitui o marginal: os arredores que acontecem à margem do texto e que hoje avultam em importância como determinantes da produção da escrita e da interpretação de seus significados.” (grifo nosso)

Por outro lado, TOLENTINO (2001?), que se debruçou sobre as fontes primárias organizadas e deixadas pelos poetas Lincoln de Souza e José Severiano de Rezende, lembra que o que os dois nos deixaram, ou seja, “textos, correspondências, anotações, recortes de jornais em gavetas, em pastas esquecidas nos gabinetes de escritores nos permitem flagrar a produção da escrita.
Ela alerta para o fato de que “a crítica literária vê-se diante do novo. Todo esse acervo, constituído de pertences do escritor, bem como de produções que ele esquecera ou às vezes desprezara, torna-se passível de leitura como um texto em que se entrecruzam várias vozes no processo de constituição do sujeito escritor/leitor. (...) As Fontes Primárias são expressões de um tempo, de uma memória. Representam o momento artístico e são, além disso, objetos representativos da cultura. Sendo assim, podem ser tomadas como um texto, um grande livro. Cabe à crítica promover uma leitura desprendida de precedentes, pois as fontes possuem sua especificidade e no decorrer da pesquisa é que elas se apresentam. Atuando nos bastidores da memória cultural, a pesquisa em fontes primárias caracteriza-se como um cruzamento de textos. ‘A pesquisa é, enfim, uma forma de leitura de palimpsesto.’” (grifo nosso)
Além disso, defende que o pesquisador, “ciente de que a literatura não é um fato isolado e que dialoga com as séries literária, social e cultural, deve tentar aprofundar, buscando relações com a vida literária do poeta, analisando o meio em que estava inserido quando de sua formação.” Portanto, “o trabalho em fontes primárias tem como objetivo o resgate de produções culturais às vezes esquecidas, desconhecidas ou mesmo adormecidas nas estantes das bibliotecas ou em acervos particulares.” (grifo nosso)
Lembra igualmente que, às vezes, “nem todos os acervos e arquivos estão organizados ou seus documentos estão num mesmo local. O acervo de Lincoln de Souza, por exemplo, divide-se entre a Biblioteca Municipal Baptista Caetano de São João del-Rei, o Museu Bárbara Heliodora e as doações que o escritor fez a particulares.

Finalmente, FARIAS e TOLENTINO (2002) conseguiram, nas fontes primárias organizadas e deixadas por Lincoln de Souza, "rastrear as rasuras e as repetições, bem como as substituições em alguns poemas do escritor (...) enquanto leitor de sua própria obra, numa reescritura constante, em busca da palavra poética."

Inserido na linha de pesquisa de fontes primárias e levando em conta os pressupostos acima, este trabalho visa, fundamentalmente, revisitar a obra do escritor são-joanense Lincoln de Souza, que teve uma produção intelectual — poética, crítica e jornalística — de inestimável valor.


Isto posto, passemos ao objeto da presente matéria, que é o de apreciar como o escritor são-joanense se despede da sua carreira literária. Conforme prometido, seu livro VIDA LITERÁRIA, aqui abordado, seria, de fato, seu último livro.


II. Autobiografia de Lincoln de Souza


Das páginas 6-16 do livro “VIDA LITERÁRIA” do poeta e jornalista Lincoln de Souza extraí a seguinte autobiografia traçada pelo próprio escritor, sob o título DEPOIMENTO, respeitada a ortografia:

"(...)
__________________________

Nasci na cidade mineira de S. João del-Rei, a 20 de junho de 1894.

A minha inclinação para as letras e garatujar bonecos (esta antes daquela) não começou cedo. Meu pai, relojoeiro de profissão, tendo cursado apenas escola primária, mas escrevendo e fazendo quadrinhas com facilidade, com o objetivo de me estimular, compôs um pequeno monólogo em versos de sete sílabas, publicando-o, com a minha assinatura, em “O Tico-Tico”. Eu devia ter uns 8 ou 10 anos à época. O fato não me causou a mínima impressão. Mais tarde, numa fôlha de almaço, redigiu um jornaleco a mão – “O Nico”, do qual me fêz tirar cópias. Também essa tentativa para despertar em mim o gosto pelas letras não surtiu o menor efeito. Eu tinha uma invencível ojeriza a escrever, fôsse o que fôsse. Só lá por volta dos meus 14 anos foi que comecei a rabiscar, em insignificantes jornaizinhos de minha terra, bobagens assim: “Dizem que o Zé da Farmácia Central está de namôro com uma garôta do Tijuco ... que o Antoninho Neves levou a lata da namorada ...” etc. Observo, agora, que essas futilidades de aldeia foram o embrião das mesmas f
utilidades que divulgam hoje os chamados cronistas do “Society”, nos maiores órgãos da nossa imprensa e com as quais usufruem alto prestígio e dinheiro grosso.

O ponto de partida verdadeiro das minhas atividades de literato provinciano foi assim: Eu gostava perdidamente de uma prima e, como de hábito no interior, naquele tempo, ia namorá-la todos os dias, postando-me a uns vinte metros em frente à sua residência. Para me fazer companhia, levava um amigo (da onça) que, ao fim de alguns meses, acabou conquistando-me a prima e casando-se com ela. O que sofri — como sofri! — nem é bom falar. E foi sob uma tremenda crise sentimental que, certa noite, o coração em pranto, me levantei da cama e escrevi “Recordações de Maria”, — uma baboseira incrível, só comparável ao que êsses colegiais suburbanos publicam no “Jornal das Moças”. Foi assim que comecei. Quando, quase quarenta anos depois, reli o tal escrito, não pude conter o riso que êle me provocou...


Passaram-se os tempos. Mas a sarna romântica continuava. Incurável. De 1915 a 1919, ou dos meus 21 aos 25 anos, entro num período de intensa atividade não só literária como artística: percorro
várias localidades mineiras fazendo caricaturas no palco, após a projeção de filmes e começo a colaborar em jornais além dos de minha terra. Dessa forma, atulho de tolos devaneios as páginas da velha “Gazeta de Minas”, de Oliveira e da “Cidade de Barbacena”, da cidade do mesmo nome. Escrevo, mais tarde, no “Minas-Jornal”, uma fôlha que, à maneira de “A Noite” carioca, revolucionou os métodos jornalísticos de São João del-Rei. Promovida por êsse jornal, realizei a minha primeira exposição de caricaturas, juntamente com Alberto Thoréau e Murilo Monteiro, também fazendo ali a minha primeira reportagem moderna, ilustrada por mim mesmo, em tôrno de um curandeiro analfabeto, estimado e respeitado pela população sanjoanense.

Fui eu, igualmente, que criei na imprensa da minha terra natal a reportagem fotográfica de fatos esportivos e policiais, não publicada no jornal, mas apenas fixada à porta da redação, dada a dificuldad
e do preparo de clichês e a inexistência de oficina de gravura na cidade.

Antes da colaboração no “Minas-Jornal”, eu havia conseguido dos irmãos Faleiros, que exploravam o Teatro Municipal, permissão para fazer um jornalzinho, aproveitando os programas de cinema, aos domingos, daquela casa de diversões. Intitulava-se “Cine-Jornal” e foi nêle que publiquei o meu primeiro sonêto, depois de tomar umas lições de metrificação com o professor Campos da Cunha. Meu jornalzinho durou apenas alguns meses, mas foi para mim um treino excelente.


Em 1919, com um prefácio amigo de Belmiro Braga — Deus o tenha em sua santa paz! — dei à estampa as minhas primeiras rimas — “Versos Tristes”. As críticas foram boas, especialmente a de Manuel Bandeira, que me recebeu entusiàsticamente, chamando-me, a lembrar Wilde, de “King of life”, no “Diário Mercantil”, de Juiz de Fora. Devo dizer, a bem da verdade, que depois dos flamantes elogios do poeta de “A Cinza das Horas”, naquela época, nunca mais, até hoje, êle se dignou referir-se aos meus pobres versos, mesmo quando cita aedos mineiros. Isto, porém, não diminui o alto conceito em que tenho o atual acadêmico, que tanto me estimulou, com seus louvores, no comêço da minha carreira no mundo das letras.

Um ano depois, ou seja em 1920, com a transferência dos escritórios da então E. F. Oeste de Minas
¹ (integrada depois na Rêde Mineira de Viação) para Belo Horizonte, inicio ali, com Carlos Drummond de Andrade, minha colaboração no “Diário de Minas”, ao tempo dirigido por J. Osvaldo de Araujo, Noraldino Lima e Arduíno Bolivar. No mesmo ano, Alberto Haas, estudante de engenharia, não podendo cuidar de sua revista “Tank”, que se editava na capital das Alterosas, entregou-me a direção da mesma, com uma gratificação de 50 mil réis mensais (não estava ainda adotado o cruzeiro, que só apareceu em fins de 1942). Foi aí que me iniciei no jornalismo profissional. Na revista de Haas eu tinha de fazer tudo: correspondência, redação da matéria do texto, contrôle de colaboração, paginação, etc. Com efeito, 50 mil réis era pouco, mas é preciso esclarecer que com aquela quantia eu pagava a minha pensão (casa e comida) no bairro da Floresta. As pensões mais caras, as chamadas de luxo, na Rua da Bahia, cobravam 90 mil réis por mês. Por aí se vê o valor que tinha o dinheiro em 1920. A segunda paga, na imprensa, tive-a de Amadeu Amaral, que por um artigo que escrevi na “Gazeta de Notícias”, sôbre uma exposição de pintura em Belo Horizonte, me gratificou com 30 mil réis. Isso para mim foi um assombro: 30 pratas por um simples artigo! A terceira paga que recebi foi em 1936, por duas pequenas reportagens em “Vamos Ler!” — 40 mil réis cada uma, — o que me causou agradável surprêsa. Hoje recebo 1.000, 1.500 e 2.000 cruzeiros por uma colaboração, sem nenhum espanto. Também a nossa moeda caiu tão baixo ...

Agora um caso — o caso de um retrato — que transformou completamente o meu destino, a minha vida. Vou contá-lo muito resumidamente, e só abordando o seu ângulo literário. Quanto ao sentimental, nem uma linha, porque estas páginas devem limitar-se tão sòmente a assuntos vinculados às minhas atividades no setor das letras, das artes e do jornalismo, como assinalei em comêço.

O caso foi o seguinte: Eu residia em Belo Horizonte. Em 1920, vim ao Rio e lembrei-me de fazer uma visita ao m
eu erudito amigo Basílio de Magalhães. Depois de uma hora de palestra, mais ou menos, ao sair, já quase à porta da rua dou, sôbre uma estante, com o retrato de formosa morena, de uns grandes e sugestivos olhos de zíngara. Chamo a atenção do mestre para aquêle impressionante tipo de mulher que contemplávamos. Êle me diz, então, que se tratava de uma criatura inteligentíssima, sua ex-aluna, de quem, por sinal, havia recebido, na véspera, uns versos, cuja cópia, incontinenti, tirou de uma gaveta e me mostrou. Li-os: eram magníficos. A meu pedido, êle me deu o papel que tinha na mão. Ao despedir-me, ofereceu-se o autor de “O Folclore no Brasil” para apresentar-me à fascinante poetisa. Eu, temendo apaixonar-me por ela, pois que empolgado já estava pela foto e o poema, não disse que sim nem que não. Agradeci a gentileza e parti. Dias depois, escrevi um artigo em “Gil Blas”, de Alcebíades Delamare, sôbre as nossas melhores poetisas. Mandei um exemplar à autora dos belos versos que eu lera em casa de Basílio de Magalhães. A carta que recebi, em agradecimento, me deixou deslumbrado, e como um derivativo à horrível monotonia do antigo Curral del-Rei, eu pedi-lhe que me escrevesse de vez em quando, ou quando quisesse, mandando-me impressões de livros, de coisas de arte, etc., tal como fizera na sua primeira mensagem. As cartas vieram. E que cartas! Eram tão encantadoras, que os meus amigos mais íntimos iam ao meu quarto lê-las, tal como se fôssem encantadores livros que me chegassem. A nossa correspondência tornava-se cada vez mais freqüente. O termômetro sentimental ia alto dentro de mim. Ao cabo de algum tempo eu, por carta, fi-la compreender que gostaria de ter ao meu lado a minha musa morena, por tôda a vida ... Ela, com uma sutileza muito feminina, deu-me esperança ... Para encurtar a narrativa: tornei-me noivo dela sem nunca a ter visto pessoalmente. De tal maneira eu me sentia, tão perturbado estava o meu espírito, que em meado de 1921 abandonei meu emprêgo na Oeste de Minas, vim para o Rio conhecer a minha noiva e procurar uma colocação, para aqui residir e instalar o meu lar.

Não quis, porém, o destino que eu me unisse à fascinante criatura dos olhos de zíngara. Em fevereiro de 1922 — lembro-me bem! — cada qual retomou o seu caminho. Ela é, hoje, um nome de projeção internacional e ainda bela, malgrado a mocidade que lhe fugiu.

* * *

Eis-me no Rio. Aqui, minha vida intelectual tomou outros rumos, expandiu-se. Do meu romance (romance ou drama?) resultaram apenas algumas páginas de prosa e poucos poemas. Publiquei depois livros. Fui trabalhar em “A Pátria”. Lá estive oito anos, tendo feito para êsse jornal reportagens em Portugal e na França e criado, em 1931, a crônica cotidiana de rádio, que não havia ainda na imprensa carioca, mas tão sòmente artigos esporádicos sôbre a matéria.

Ainda naquele ano, sem nenhuma finalidade lucrativa divulguei, através da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, fundada e dirigida por Roquette Pinto, alguma coisa da arte oriental, num programa de canto, música e poesia do Líbano, Síria e Egito,
que causou a mais viva repercussão, especialmente nos meios sírio-libaneses do Rio. Só anos depois foi que uma emissora daqui iniciou a irradiação de músicas e cantos do Oriente.

Em 1932 fui nomeado para a Secretaria do Tribunal Regional Eleitoral de S. Paulo. Na Paulicéia, entretanto, não tive nenhuma atuação literária; apenas ajudei um colega, José Calmon de Brito, na redação e transmissão de notícias para “O Globo”, desta capital, do qual era êle correspondente. Pouco depois fui promovido, mas tendo de servir fora de S. Paulo, em Sergipe. Reiniciando na terra de Tobias Barreto as minhas atividades literárias, colaborei na imprensa local, ocasião em que me empenhei em tremenda polêmica com redatores de uma fôlha de Aracaju. Extintos os tribunais eleitorais, regressei ao Rio e, após bem largo período de inação no setor das letras, das artes e do jornalismo, fui trabalhar, em regime de “pró-labore”, em “A Noite Ilustrada” e, em seguida, em “A Noite” (ùltimamente como redator) até dezembro de 1957, data em que o jornal foi fechado pelo Govêrno, sendo reaberto no ano passado pela Companhia Jornalística Castelar.

A “A Noite” dei o melhor
do meu esfôrço, da minha inteligência e da minha dedicação durante longos doze anos. Realizei importantes coberturas jornalísticas e dirigi, por muito tempo, a seção escolar, que inestimáveis serviços prestou à causa do ensino, conseguindo dos proprietários de escolas centenas de bôlsas de estudo e premiando com medalhas, objetos de uso escolar e cofres com depósito em dinheiro milhares e milhares de alunos de estabelecimentos de instrução pública e particular do Rio.

De vez que menciono as minhas atividades em “A Noite”, será oportuno referir-me também a outros fatos mais expressivos da minha carreira na imprensa e que foram: evitar que centenas de alunos do internato de um padre, em Minas Gerais, continuassem a levar uma vida miserável,
com a denúncia que fiz do que ali se passava ao então deputado Luiz da Gama Filho, que da tribuna da Câmara levantara a voz contra o regime de fome e maus tratos vigorante no tal internato, superintendido pelo SAM, a cujo diretor, na ocasião, o padre João Pedron, entreguei uma cópia da minha reportagem. Quando publiquei em “Vamos Ler!” uma colaboração sôbre “A Fonte da Mata”, em Boquim, berço natal de Hermes Fontes e descrevi a situação de penúria em que se encontravam as irmãs do poeta, o dr. Eronides de Carvalho, que era, à época, Interventor em Sergipe, mandou dar-lhes uma pensão, bem como a uma filha de Tobias Barreto, que também carecia de auxílio.

Em “A Pátria” tive a satisfação de desmascarar um engenheiro da Central do Brasil, que, quando da reforma daquela via-férrea, prometera, por carta a um amigo, ajudar os protegidos dêste. O referido engenheiro, no mesmo dia da publicação da carta no jornal, foi sumariamente demitido a bem do serviço público, embora a pseudo vestal José Américo de Almeida, que era o Ministro da Viação, fôsse coagido, depois, a mandar readmitir o sacripanta.

A minha vida de intelectual tem continuado a par da de jornalista. Quanto à de desenhista e caricaturista, confesso que é absolutamente nula. Dela me afastei há muito tempo, sem nenhum pesar, por reconhecer a mediocridade das minhas produções. Depois de caricaturas em palcos de cinemas e teatros, de desenhos e calungas em “O Albor”, uma revista que se publicava aqui, de propriedade de um sacerdote e da exposição de bonecos em S. João del-Rei, em 1918 (ou 1919), só vim a expor uma cabeça, a creiom, no hoje extinto Palace Hotel, no I Salão dos Jornalistas Liberais, em novembro último e, no mês seguinte, no II Salão de Pintura promovido pelo Centro Artístico e Cultural de S. João del-Rei. Mas os trabalhos que figuraram neste dois últimos salões (ilustrações de livros, caricaturas e uma aquarela) eram antigos, pois, como já escrevi, há muito eu abandonara as artes plásticas.

Dando um balanço do que produzi em cerca de meio século de atividades literárias, artísticas e jornalísticas, chego à conclusão de que não resultou de todo inútil o meu esfôrço, à exceção do que diz respeito à caricatura e ao desenho.

Não fui — apraz-me dizê-lo — um intelectual esquecido. Sem que partisse de mim a mais leve insinuação, fui homenageado: em 1946, no programa da Rádio Nacional — “Pátria Distante”, sob a direção de Maria Eduarda; em setembro de 1947, na A.B.I., por parte da Sociedade dos Homens de Letras do Brasil, ao ensejo da publicação da “plaquette” LENITA; em dezembro de 1949, na Rádio Inconfidência Mineira — programa “Vitrine Literária”, criado pelo jornalista e escritor Jorge Azevedo; em 1952, no programa “Lendo e Contando”, da Rádio Ministério da Educação, sob a responsabilidade da jornalista Helena Ferraz e dirigido, na oportunidade, pela poetisa Chiang-Sing; em março de 1953, por intelectuais sergipanos, no auditório da Rádio-Difusora de Sergipe, por iniciativa do escritor e ensaísta José Augusto Garcez; em 1954, no Sindicato dos Jornalistas profissionais do Rio de Janeiro, por ocasião da entrega de diplomas aos decanos da imprensa carioca e, finalmente, em maio do ano passado, no Centro Artístico e Cultural de S. João del-Rei, conjuntamente com os poetas Oranice Franco, José Geraldo Dângelo e Cândido Martins de Oliveira e o compositor Gustavo de Carvalho ².

Em 1953 tive um livro meu premiado pela Academia de Letras — “Entre os Xavantes do Roncador”.


A minha vida jornalística e literária não correu, todavia, sempre em mar de rosas. Como todo homem de letras e de jornal, recebi bordoadas fortes, suportei humilhantes silêncios e tive que manter polêmicas, bem contra a minha vontade. Um dos primeiros aborrecimentos, de que me lembro, foi o causado pelo artigo de um literatelho magro e anêmico como tudo que garatujava (se fôsse hoje, nenhuma impressão me faria) em defesa de Téo Filho, cujo livro “Dona Dolorosa”, eu desancara impiedosamente. Em 1922, em seguida a uma ferina crítica de Agrippino Grieco sobre a poesia da minha ex-musa de olhos de zíngara, escrevi-lhe uma carta desaforada, que trouxe como conseqüência a interrupção de nossa amizade por mais de trinta anos. Tendo censurado a conduta do filólogo José de Sá Nunes, no tocante à questão da reforma ortográfica, escreveu êste uma página inteiro no “Brasil-Portugal”, xingando-me dos piores nomes. Em S. João del-Rei houve entre mim e um médico local, no ano passado, um comêço de polêmica, que não tomou, entretanto, maiores proporções, graças à intervenção de amigos e o espírito conciliatório do referido médico. Polêmica de verdade, e polêmica braba, tive-a eu em Aracaju, com redatores de “O Estado de Sergipe”, em janeiro de 1934. Mas mesmo dessa não guardo nem malquerença aos meus ferozes contendores, nem maior lembrança do que se passou, pois tenho por hábito procurar esquecer os amargos acontecimentos de minha vida.

Ao revés, busco sempre recordar o que me é grato ao espírito. Nesse particular, estão as cento e tantas referências a propósito de trabalhos meus e da minha obscura personalidade, que se lêem na 1ª edição de “Poemas”, na 5ª de “Contam que ...” e ao fim dêste volume.

Também, como flôre
s atiradas no meu caminho, tenho a satisfação de possuir a página de dedicatória, em têrmos que muito me desvanecem, de quase cento e vinte livros que me foram ofertados pelas figuras mais eminentes do nosso mundo literário e artístico, — páginas que, reunidas, formaram um precioso e original álbum de autógrafos.

* * *

Agora, êste livro. VIDA LITERÁRIA é uma série de CRÔNICAS e outros trabalhos publicados em jornais e revistas, em épocas diversas, sôbre assuntos literários ou acêrca de personalidades vinculadas ao mundo das letras. Há, também uma palestra a propósito de crianças, que é a única escrita, sendo tôdas as demais, citadas em outro local, feitas de improviso, bem como as anotações e comentários (“Espumas”) de vária ordem, que constituíam uma curta seção que, por algum tempo, mantive numa fôlha carioca. Reproduzo-os agora, aqui, não fragmentados como saíram, mas em bloco, ocupando cêrca de uma vintena de páginas.

São incluídos neste despretensioso volume umas poucas impressões de leitura e de uma exposição de quadros, não porque lhes dê especial valor, mas tão sòmente para tornar mais duradoura, fixada em livro, a lembrança de amigos que sinceramente admiro e particularmente estimo. Pelo mesmo motivo foram incluídos aqui dois poemas que, com efeito, não se justificam num livro de prosa, — fato que esclareço também na página competente.

VIDA LITERÁRIA
será a minha derradeira obra. Depois desta, não pretendo publicar mais nenhuma outra, de vez que não mo permitem as minhas atuais e absorventes atividades jornalísticas. Foi por isso que quis dar um balanço completo das minhas apoucadas realizações, até hoje, no terreno da literatura, da arte e do jornalismo. Só me resta agora consignar aqui as expressões do meu mais profundo reconhecimento a todos quantos, na minha já longa mas pagada carreira das letras, me estimularam com sua palavra de louvor e sua generosa estima.
Rio, janeiro de 1961.

L. de S."

Esse histórico depoimento do poeta e jornalista são-joanense Lincoln de Souza constitui importante memória do jornalismo de Minas Gerais e Rio de Janeiro no primeiro meado do século XX. A meu ver, suas reflexões sobre sua atividade jornalística no período constituem importante elo na reconstituição da história do jornalismo nos dois Estados.



III. Convite para uma Noite de Autógrafos a se realizar em 18 de junho de 1961, acompanhado de Programa da Festa em São João del-Rei



Centro Artístico e Cultural de São João del-Rei
C O N V I T E

Em nome do Centro Artístico e Cultural de São João del-Rei tenho a honra de convidá-lo, juntamente com a sua Exma. Família, para a nossa IV Noite de Autógrafos, que se realizará no Salão de Festas do Minas F. Clube, às 19,30 hs. do próximo dia 18 do corrente mês de junho.

Nessa solenidade, que será abrilhantada com a musica do grande violonista Mozart Bicalho, de Belo Horizonte, será lançado o novo livro de crônicas e ensaios do poeta e jornalista sanjoanense Lincoln de Souza: VIDA LITERÁRIA.

Contando com a sua imprescindível presença, peço-lhe queira aceitar meus respeitosos cumprimentos.

São João del-Rei, 1º de junho de 1961

Pe. Luiz Zver – Presidente



P R O G R A M A


CENTRO ARTÍSTICO E CULTURAL DE SÃO JOÃO DEL-REI

IV Noite de Autógrafos

Lincoln de Souza: VIDA LITERÁRIA




I Parte:

- Abertura da sessão pelo Presidente do C.A.C.
- Autógrafos.

II Parte:



- Saudação ao Sr. Lincoln de Souza, pelo Sr. José do Carmo Barbosa, Secretário do C.A.C.
- Saudade, Aos pés do Mestre e Doçura de acordar (poemas de Lincoln de Souza, apresentados pela Professora Aparecida Paiva)
- Senza nessuno, de E. Curtis, cantado por José Costa
- Eterna Lembrança (versos de Lincoln de Souza e música de Mozart Bicalho), cantado por Stella Neves Vale
- A manhã no mar (versos de Lincoln de Souza e música de Mozart Bicalho), cantado por Marta Teixeira.

III Parte: O violão e a arte do Professor Mozart Bicalho

Extra-Programa: canta a Senhorita Leila Taier



IV. Comentários registrados naquela memorável Noite de Autógrafos



Mozart Bicalho executou ao violão composições populares e clássicas, sendo vivamente aplaudido pela assistência. Seu último número foi “TEUS OLHOS”, música de sua autoria e letra de Lincoln de Souza, com acompanhamento dos artistas que atuaram na festa.

Finda a parte artístico-musical, o autor de VIDA LITERÁRIA pronunciou o pequeno discurso que vai a seguir:

MEUS CAROS CONTERRÂNEOS,



Esta é uma festa de despedida, uma festa de adeus. Um adeus, porém, sem lenços acenando e sem lágrimas. Devo dizer que sinto, antes, uma sensação de eufórica libertação. Há 47 anos passados, tendo começado nesta minha querida terra natal, sob o impacto de profunda emoção, a minha carreira de homem de letras, hoje venho aqui encerrá-la. Daí a razão desta noite de autógrafos, que marca o termino das minhas obscuras atividades literárias.


Meus amigos,

Estou cansado, exausto, esgotado. Não exagero dizendo, como Papini, que “sono un’ uomo finito”. Faltam-me a vibração e o entusiasmo de outros tempos. E ninguém deve fazer coisa alguma, neste mundo, sem entusiasmo, sem amor. Daí a definitiva resolução que resolvi tomar.

Em VIDA LITERÁRIA, num balanço que abrange quase meio século de atividade, estão registradas tôdas as minhas realizações na área da literatura, do jornalismo e das artes plásticas. Se não levei a termo algo de grande, contribuí, contudo, na medida das minhas fracas possibilidades intelectuais, para a divulgação de alguns aspectos da nossa cultura, através de obras que focalizaram temas folclóricos, assuntos indígenas, o histórico de uma tribo até então ainda não tratada com maiores informes, a síntese bio-bibliográfica de um famoso compatrício e uma série de reflexões de ordem filosófica e social.

Em VIDA LITERÁRIA projetam-se comentários, estudos e divulgações não só no campo da literatura, como no da história, da ciência e da arte.

Devo esclarecer que não se trata de um livro apenas para literatos, mas interessa também ao leitor comum, pela variedade dos assuntos nêle fixados em linguagem simples, despretensiosa e clara. Aí se encontra igualmente a leve palestra sôbre crianças que, sob os auspícios do Centro Artístico e Cultural, levei a efeito, em maio do ano passado, nesta cidade.

VIDA LITERÁRIA é o meu último livro. Último não no sentido de após o penúltimo, mas de últimoponto final.

Vou afastar-me, como já disse, de atividades literárias. Não digo que não venha a compôr algum poema, sob qualquer imperiosa necessidade. Mas o farei para mim mesmo, ou para quem haja inspirado as minhas possíveis rimas. Jamais para publicação em jornal ou revista.

O homem de letras desaparece hoje. Mas, antes disso, quero tornar público o meu imenso reconhecimento pelas provas de atenção que tenho recebido nesta abençoada terra de meu nascimento. Quero agradecer em primeiro lugar, ao meu eminente amigo, o reverendíssimo Padre Luiz Zver, a quem S. João del-Rei tanto deve pela obra verdadeiramente inestimável que está realizando a prol da cultura sanjoanense. Agradeço o concurso valioso de seus dedicados auxiliares no C.A.C. e, em particular, quero externar a minha mais viva gratidão a Gentil Palhares, um dos mais autênticos valores da atual geração, que se tornou cordialmente, embora não aqui nascido, o mais sanjoanense dentre os sanjoanenses que neste rincão mineiro viram a luz. O meu muito obrigado pelos magníficos elementos que atuaram hoje nesta festa de inteligência e coração: Maria Aparecida Paiva – a Poesia que se fez mulher; Marta Teixeira, minha talentosa prima, que trouxe ao velho tronco dos Teixeiras um ritmo de luminosa beleza; Stela Vale, que parece ter um luar na garganta e que canta como devem cantar os anjos; Leila Taier, a mais jovem e a mais fascinante criadora de paraísos interiores com sua voz dulcíssima e rica de sugestões; José Costa, uma legítima afirmação de artista; a professora Maria Monteiro, que tão gentilmente se prestou a acompanhar os números de canto; José do Carmo Barbosa e José Bernardino, tão generosos em suas orações, que foram como braçadas de rosas sôbre o meu crepúsculo; e Mozart Bicalho, meu antigo e querido companheiro de alegres noitadas belorizontinas, que pela sua alta virtuosidade, conhecida e aplaudida no Brasil inteiro, grangeou a justa fama de O Mago do Violão”. Agradeço tambem aos que aqui me honraram com sua presença, entre os quais revejo, com sincero júbilo, velhos e caros amigos.

Seja-me permitido, por fim, agradecer a tôdas as mulheres que passaram pelo meu caminho, ou melhor — pelo meu coração, — umas dando-me os sonhos mais inefáveis, outras, as mais indescritíveis torturas.

A elas, tão somente a elas, eu devo as melhores vibrações da minha musa, pois que, trazendo-me o sonho ou o sofrimento, foram as responsáveis pelos poemas que mereceram os mais fortes louvores da crítica e do público, poemas que vêm desde os meus “Versos Tristes” até os dois únicos de VIDA LITERÁRIA.
A tôdas, por isso, neste comovido instante de adeus, eu ofereço, afetuosamente, o ouro, o incenso e a mirra do meu reconhecimento e da minha homenagem.




V. Lincoln de Souza, anfitrião em banquete em 20 de junho de 1961, oferecido por ocasião de seu aniversário em São João del-Rei




Na noite de 20 de junho p.p., nos salões do Hotel Americano, o poeta sanjoanense Lincoln de Souza, residente no Rio, ofereceu aos seus amigos um banquete, despedindo-se da vida literária e festejando o seu aniversário natalício. Compareceram muitos literatos, amigos, senhoras e senhoritas, havendo música, canto, recitativos, discursos. Castanheira Filho disse-lhe os versos abaixo:


Versos a um poeta

Castanheira Filho

Quer o Lincoln deixar de ser poeta,
Pondo de lado a sua doce Lira.
Não pode haver loucura mais completa
E quer-nos parecer que até delira.

Depois de tantos anos de conquistas,
Tantos louros ganhando, em curto prazo,
Figurando no rol dos bons artistas,
Quer fugir ao convívio do Parnaso.

Tal decisão seria mesmo injusta
Para com nossas protetoras Musas,
E ouvindo o disparate, a gente custa
A acreditar, se não merece escusas.

Ser poeta é cantar a natureza,
Amar o belo, o sonho, a fantasia,
Viver sorrindo em mundo de tristeza,
Viver chorando em meio de alegria.

Olha para o alto e vê milhões de estrêlas,
Na mais linda vivendo Deus, por certo.
Pode contá-las, uma a uma, e tê-las
E conversar com elas bem de perto.

Longe do mundo, em plagas luminosas,
Nas asas dos seus versos de alabastro,
Vaga o poeta, a lira feita em rosas,
Hinos cantando sempre, de astro em astro.

Fecha os olhos seus à dor e à miséria,
Alheio às tentações do ouro maldito.
Deixa da vida a pútrida matéria
Em busca das paragens do infinito.

Ser poeta é viver indiferente
Às lutas, ao rancor da humanidade.
Olhos fitos no céu, no céu sòmente,
De Deus louvando, em tudo, a majestade.

Não se adapta às grandezas desta vida
O seu ser, que se esconde na penumbra,
E no seu coração não tem guarida
A glória, que os mortais tanto deslumbra.

Cantou Lincoln de Souza nos seus versos
O encanto da mulher, o doce encanto,
E aos mil caprichos seus, os mais diversos,
Muitas lôas teceu, em cada canto.

Ergueu a lira ao céu e, embevecido,
Louvou da Criação as maravilhas.
Pintou da fresca aurora o colorido
Em rimas perfumosas de sextilhas.

Exaltou com perícia, em notas claras,
A orquestra matinal dos passarinhos,
Traçando, bem fiel, com tintas raras,
O singular castelo dos seus ninhos.

Não pode Lincoln baquear na estrada,
Na senda azul dos ideais e sonhos,
Nem fugir ao frescor da madrugada,
De tons alegres e de tons tristonhos.

Tem de voar ao cimo do Parnaso,
Revendo as Musas, ao clarão da lua,
Depois que o sol se aprofundar no ocaso,
A terra mergulhada em sombras, nua.

Se a sua lira abandonar um dia,
Tudo em silêncio ficará nos campos
E as noites perderão, em nostalgia,
A pisca-pisca luz dos pirilampos.

Nova fase de amor (se assim me crerdes)
Talvez o espere, em novo desvario,
Para cantar, com garbo, uns olhos verdes,
Olhos verdes da côr do mar bravio.

Lá nos caminhos róseos da existência,
Onde parece o céu tocar a terra,
E o chão cobrindo pétalas de essência,
Do amor muita surpresa alí se encerra.

Vamos, poeta! Eleve a voz sonora,
Num hino de louvor à Criação,
E cante o amor, na sua eterna aurora,
Êsse amor que dá vida ao coração!





VI. Registro desses festejos pelo "Diário do Comércio" de São João del-Rei





O “DIÁRIO DO COMÉRCIO”, de São João del-Rei, na data de 21/6/1961, noticiou o seguinte:

Lincoln de Souza

Aniversariou, ontem, o poeta, jornalista e escritor sanjoanense — Lincoln de Souza, que se encontra nesta cidade há vários dias. O ilustre aniversariante viera à sua terra natal para o lançamento do seu livro VIDA LITERÁRIA, com que pretende encerrar suas atividades literárias de quase 40 anos.

Dotado de excepcional capacidade de ação, inteligente, memória viva e fecunda, Lincoln se projetou no mundo das letras fazendo da imprensa e dos livro que publicara em prosa e versos, o alfa e o ômega de sua vida. Por fôrça de suas funções e por vocação própria, correu meio mundo. E nas suas andanças pelos países europeus, pela America do Norte e pelo Oriente, sôfrego e ávido de tudo ver e conhecer para depois divulgar, Lincoln de Souza soube honrar e dignificar não apenas a imprensa e o “hinterland” literário do país, mas também o rincão mineiro e a própria terra que lhe serviu de berço. Daquí saiu no verdor dos anos e na florescência do seu espírito já plasmado para as coisas sublimes. Já tangia a Lyra no dizer do Pe. Luiz Zver e já se entendia pelo coração com as Musas, que nunca o abandonaram. Irrequieto, “perpetuum mobile”, o escritor sanjoanense, entretanto, fala, agora, em deixar as letras. E que seria sua terra natal o “túmulo” de tôda a sua atividade intelectual. Lançou, por isso, na Livraria São José do Rio de Janeiro e agora aquí em São João, como fêcho, o seu último livro VIDA LITERÁRIA, numa noite de autógrafos das mais memoráveis realizada no salão de festas do Minas. Seu novo livro sobre ser escorreito na forma e no estilo é uma carinhosa homenagem a São João del-Rei, retratada em páginas evocativas e quentes.

Um grupo de amigos e de admiradores de Lincoln de Souza homenageou-o no Hotel Americano pelo ensejo da sua efeméride tão grata a todos que o estimam, já pela sua fidalguia do trato, já pela bondade do seu coração sempre aberto e franco para todos que o cercam.


Esta fôlha se fez representar pelos Dr. Ronaldo Simões Coelho e ten. Gentil Palhares.



VII. OBRAS CONSULTADAS



CAMPOS, E.N. e CURY, M.Z.F.: “Fontes Primárias: Saberes em Movimento”, in Rev. Fac. Educ. vol. 23 n. 1-2, São Paulo, Jan./Dez. 1997.

_____. "Fontes Primárias em Discussão", in Rev. Vertentes, nº 1, São João del-Rei: FUNREI, 1993, p. 53-60.

FARIAS, J.M. e TOLENTINO, E.C.: "Lincoln de Souza: leitor crítico de si mesmo - entre a criação e a reescrita", publicado no Jornal da Universidade (UFSJ), de 23/08/2002. In http://www.ichs.ufop.br/conifes/anais/LCA/clca07.htm

 
MINISTÉRIO DA VIAÇÃO E OBRAS PÚBLICAS. 1918. Almanack do Pessoal da Estrada de Ferro Oeste de Minas e Estrada de Ferro de Itapura a Corumbá – Anno de 1917, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 112 p.

 
SOUZA, Lincoln: Vida Literária, Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti – Editores, 1961, 169 p.


____. Referências à Vida Literária [s.l.], 1961?. [sem paginação].

____. Miscelânea [s.l.], 1969?. [sem paginação].


TOLENTINO, E. C.: Fontes Primárias: Bastidores da Memória Cultural, in http://www.ichs.ufop.br/conifes/anais/LCA/clca07.htm



VIII. NOTAS DO AUTOR



¹  Na p. 18 do Almanack --> do Pessoal da Estrada de Ferro Oeste de Minas e Estrada de Ferro de Itapura a Corumbá – Anno de 1917, o funcionário Lincoln de Souza aparece como quarto escriturário da Contabilidade, nomeado em 05/08/1910, com o tempo líquido de serviço de 2.545 dias.


²  Gustavo de Carvalho, conhecido por Maestro "Guaraná", nasceu em São João del-Rei, tendo-se tornado arranjador e regente da Rádio Nacional na década de 50. Os arranjos do Maestro "Guaraná" eram arrojados, bem como primavam pela qualidade, bom gosto e singularidade, podendo-se dizer que se destacavam das versões de outros arranjadores para as mesmas músicas. Foi ele quem teve a feliz ideia de reunir os instrumentistas associados ao Sindicato dos Músicos Profissionais do Rio de Janeiro e de produzir o LP de 10 polegadas intitulado "Pérolas da Música Brasileira", lançado com o selo Copacabana, do qual tenho a honra de possuir um exemplar.


IX. AGRADECIMENTOS


Gostaria de deixar aqui consignada minha gratidão a todos os funcionários da Biblioteca Municipal Baptista Caetano de Almeida, de São João del-Rei, sobretudo à Bibliotecária-Chefe, Dra. Rosy Mara Oliveira, que prestou grande colaboração à realização desta pesquisa. Também agradeço ao Prof. Evandro de Almeida Coelho pelo empréstimo de livro relativo à E.F.O.M.-Estrada de Ferro Oeste de Minas, que figura na bibliografia.

* Francisco José dos Santos Braga, cidadão são-joanense, tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Além de escrever artigos para revistas e jornais, é autor de dois livros e traduziu vários livros na área de Administração Financeira. Participa ativamente de instituições no País e no exterior, como Membro, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ e Fundação Oscar Araripe em Tiradentes-MG. Possui o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com), um locus de abordagem de temas musicais, literários, literomusicais, históricos e genealógicos, dedicado, entre outras coisas, ao resgate da memória e à defesa do nosso patrimônio histórico.Mais...