segunda-feira, 23 de junho de 2014

Eu amo muito a minha língua Grega, por Monge Moisés Aghiorítes

Eu amo muito a minha língua Grega ¹

Autor: Monge Moisés Aghiorítes ² 
Tradutor: Francisco José dos Santos Braga 


Monge Moisés Aghiorítes



Em uma época de crise, censura e crítica ³, quedas, decadências, impactos e descontos , vertigem, alucinação, luta e cinza , padece o nosso inigualável idioma, a rica língua nacional. Com ela podes dizer e expressar as coisas mais difíceis, as mais frívolas, as mais elevadas. Como diz o poeta Odysseus Elytes, a língua grega é a mais antiga e... a mais rica do mundo.


Em grego podes expressar os mais sutis, os mais completos sentidos da teologia, da filosofia, da poesia. Podes traduzir ideias, reflexões, pensamentos, conceitos, todos grandes, nobres, sagrados e belos. A língua grega exprime habilmente o gosto, o desgosto, o desejo do artesão, do artista, do herói, do santo. Contém a nobreza e a baixeza, a pompa e a modéstia, o bom gosto. A alegre tristeza , a sobriedade, a doçura e a redenção. Não é orgulho pecaminoso o amor de nossa língua, da nossa pátria, dorida e traída. Foi a língua também traída por contínuos termos estrangeiros, que infelizmente são dedicados às crianças. A água, o pão, o céu e o mar são nomeados da mesma forma, há três mil anos. Assim também os nomeava Homero. A língua porta sentido, história, tradição e encanto.


É muito importante que possas expressar com tua língua todos os teus pensamentos.
Infelizmente, os Gregos Modernos não leem e, por isso, a sua linguagem é muito pobre. Os nossos jovens padecem de terrível pobreza vocabular. Até mesmo os conhecedores ignoram a luta com a língua. A perfeita expressão precisa do conhecimento profundo da língua, discernimento, separação do joio entre o trigo, estudo, correta seleção. Palavreado pomposo, ostentatório, prolixo, imponente não toca o coração. Nos meus sessenta anos escrevi e disse muitas coisas. Não aprendi outra língua. Não aprendi datilografia nem computador. Queria escrever na minha língua, soletrar, copiar, tocar a tinta. Não posso dizer que não gosto de falar e escrever. Já escrevi milhares de milhares de páginas. Amo muito a minha língua grega. E, sobretudo, o grego politônico


O amor à língua é sagrado. Creio no poder da língua. Ela pode influenciar, opinar, comentar, admoestar positiva e proveitosamente. Enquanto eu ainda viver, não pararei de falar e de escrever. Enquanto tiver o juízo. Ela é o meu trabalho. Sou diarista da palavra. Por favor, não falsifiqueis a minha língua, não a adultereis, nem a olvideis. Com a língua não comunicamos simplesmente para nos entendermos, mas unimos nossas almas. Alegro-me de falar e escrever. Desculpai-me. Peço que leiais para mim e me escrevais. A língua é sinal da cruz, precioso amuleto, bálsamo e bênção.

Três grandes teólogos religiosos do século XX, o sérvio São Justino Popović, o romeno Dumitru Stăniloae e o russo-americano Georges Florovsky eram autênticos amigos dos Gregos e bons conhecedores da língua grega. O primeiro enviava os seus discípulos à Grécia para aprenderem o grego, a fim de progredirem na teologia. O terceiro dizia que os Padres gregos, com o seu pensamento, ofereciam riqueza espiritual a todo o orbe. É pena, meus queridos, que não apreciemos a riqueza do mais belo e mais abrangente idioma grego, dos antigos filósofos, dos Padres gregos, do Evangelho...

Fonte: http://agioritikesmnimes.blogspot.gr/2012/09/1856.html?spref=tw


NOTAS DO TRADUTOR FRANCISCO JOSÉ DOS SANTOS BRAGA



¹  O autor tem tanto carinho pela sua língua (γλώσσα) que a personifica, tratando-a como uma pessoa querida com quem mantém estreita convivência. Assim, emprega o vocábulo "Ελληνίδα" (substantivo pátrio feminino), como aposto, ao invés do usual adjetivo "ελληνική".

²   Essa palavra — Αγιορείτης — significa que se trata de monge do Monte Athos.

³   Em grego, a primeira palavra é κρίση, da qual derivam as duas seguintes: επίκριση e κατάκριση.

⁴  Em grego, a primeira palavra é πτώση, da qual derivam as três seguintes: κατάπτωση, επίπτωση e έκπτωση.

  Essas quatro palavras têm a mesma terminação, em -άλη. Assim, temos ζάλη, παραζάλη, πάλη e αιθάλη.

A palavra χαρμολύπη não tem uma correspondente em português, ou seja, um conceito que represente uma "união de opostos". Palavra muito rica indicando que alguém pode sentir alegria (ou doçura) e tristeza ao mesmo tempo. Essa palavra adquire um significado especial para os cristãos, os quais costumam sentir algo parecido durante a Semana Santa.

⁷  Os que falam o grego moderno ou vεοελληνiká.

⁸  A escrita politônica utiliza inúmeros sinais diacríticos (acentos agudo, grave e circunflexo; espíritos doce e rude; e sinais de pontuação)


AGRADECIMENTO

O tradutor e gerente do Blog do Braga vem manifestar sua gratidão ao amigo livreiro, Sr. Osvaldo Lemos, por lhe ter encaminhado este texto em grego para tradução e posterior publicação.

domingo, 15 de junho de 2014

SEGUNDA VIAGEM À GRÉCIA (19/04/2001 a 26/05/2001)


Por Francisco José dos Santos Braga


Em memória do saudoso primo Álvaro Bosco Lopes de Oliveira, inseparável, leal e inesquecível amigo, companheiro de jornada, presente de Deus em nossas vidas.


I.  INTRODUÇÃO

Do dia 19 de abril a 26 de maio de 2001, tive a grata satisfação de ser guia de uma viagem à Grécia, empreendida por Álvaro Bosco Lopes de Oliveira e sua esposa Emma do Carmo Parentoni Lanna de Oliveira. Era a segunda vez que eu visitava aquele país, agora completamente disposto a apreciar as atrações turísticas que a sua topografia oferecia, já que na vez anterior não tinha saído de Atenas, dedicando-me exclusivamente ao estudo da língua grega moderna. Emma, extremamente curiosa a respeito das localidades, monumentos, museus, santuários e mercados que visitávamos, redigiu um resumido diário de bordo que aproveito em parte para a redação do presente artigo, que tem como objetivo divulgar tudo aquilo que vimos e desfrutamos na Grécia, bem como apresentar um roteiro de viagem para aqueles turistas que queiram aproveitar a nossa experiência, a partir do qual poderão modificá-lo ou simplesmente expandi-lo, conforme a sua curiosidade e desejo.
Portanto, o que se vai ler aqui é o diário de bordo de Emma ampliado com minhas inserções para contemplar aspectos que considero importantes na cultura, história, geografia e topografia gregas.
Da esq. p/ dir.: O autor, Emma Lanna e Álvaro Bosco


II.  DIÁRIO DE BORDO DA VIAGEM À GRÉCIA
 

19/04 Vôo às 7h do Aeroporto de Confins com destino a Guarulhos, com chegada prevista às 8h 11min. Saída pela Swissair às 16h 20min com destino a Zurique.

20/04 Chegada a Zurique às 8h 16 min (hora local). Fuso horário : 5 horas de diferença do Brasil (horário brasileiro: 13h 16min).
Saída de Zurique às 10h 20min (hora local). Chegada a Atenas às 14h 20min (hora local). Hospedagem num hotel no bairro Plaka.

21/04 Citytour pelo bairro Plaka, indo até a Acrópole. Visita ao mercado central, à praça Monastiráki (sinônimo do mercado de pulga ateniense) próxima à antiga Ágora (ou Agorá, como dizem os Gregos),  à Acrópole, à Biblioteca de Adriano (no sopé da Acrópole), à Torre dos Ventos (cada uma de suas paredes de mármore representa um dos oito ventos mitológicos), ao Párthenon (templo da Acrópole, dedicado à deusa Atena), à Catedral Metropolitana de Atenas e igreja de Panaghia Kapnikarea (construída no século XI sobre um templo antigo pagão dedicado ao culto de uma deusa, possivelmente Atena ou Deméter; está situada bem no meio da área de compras da rua Ermou), ambas ortodoxas.
Párthenon, templo dedicado à deusa Atena


22/04 Missa às 9h 30min na Catedral Católica Romana, na Avenida Panepistimíou. Bem próximo fica o Anfiteatro da Universidade de Atenas, que visitamos. À tarde, passeio de metrô.

23/04 Visita ao Ministério das Relações Exteriores da Grécia, ao Ministério Nacional da Educação e Religião (ortodoxa) da Grécia  e à Embaixada do Brasil, esta última no chique bairro Kolonáki.
À tarde, ida de trem ao porto Piréus.

24/04 Arrumação de malas para a viagem a Creta. Embarque para Creta: 21h.

25/04 Chegada a Creta (em Heráklion) às 5h 30min. Aluguel de carro por 7 dias.  Ida ao túmulo de Nikos Kazantzakis em Heráklion. Ida a um mirante, donde se avista a praia de Bali, em Rethymnon, uma das mais bem preservadas velhas cidades venezianas na ilha de Creta. Ida à praia de Bali. Visita à Venetian Fortezza (Fortaleza Veneziana), em Rethymnon. Hospedagem em Chaniá, um porto da ilha de Creta e localidade de ruas estreitas e construções antigas. Citytour.
Venetian Fortezza em Rethymnon


26/04 Seguimos para Paleókhora (sul de Creta) através de uma estrada muito estreita e perigosa. Visita à capela de São Jorge, em Anydroi (próximo a Paleókhora). Apreciam-se afrescos de João Congelado, de 1332 d.C., na capela de São Jorge, em Anydroi.

27/04 Hospedagem em Paleókhora (sul de Creta). Passeio de navio. Ida a uma praia em Elafónissos, que tinha águas cristalinas azuis sobre areia dourada.
Praia de Elafónissos
Da esq. p/ dir.: Álvaro e o autor na praia de Elafónissos


28/04 9h 30min: Passeio de barco a Aghía Rouméli (sul de Creta) e retorno às 18h 30min à Paleókhora. Parada para desembarque e embarque de passageiros em Souglia. Chegada ao ancoradouro de barcos em Aghía Rouméli. Visitamos o Parque Nacional de Samariá. Iniciamos a subida do desfiladeiro de Samariá, em Aghía Rouméli. Transpusemos a primeira das "Portas de Ferro", no desfiladeiro de Samariá. Em seguida, transpusemos a segunda dessas portelas, que são gargantas ou passagens estreitíssimas entre montes. Almoço em Aghía Rouméli. Subida ao Kastro (fortaleza) em Paleókhora. Retorno à Paleókhora, após o passeio de barco ao desfiladeiro de Samariá.

Disco de Festós (frente)
29/04 Saída de Paleókhora às 10h com destino a Rethymnon (norte de Creta). Visita à Venetian Fortezza, em Rethymnon. Ida a Festós onde visitamos os palácios minóicos que foram destruídos por maremoto (1450 a.C.) e outro terremoto (1700 a.C.). Magnífica vista da planície Messará, vista do alto do palácio. Daí procede o Disco de Festós, até hoje indecifrável. Talvez seja um hino sagrado. ¹
Disco de Festós (verso)
Hospedagem em Mátala, primeiro local em que os hippies se estabeleceram após saírem da Turquia; daí se espalharam pelo mundo. Em Mátala, hospedagem em hotel, de cuja sacada avistamos um penhasco de arenito que serviu de túmulo para cristãos primitivos e, depois, para cavernas dos hippies.
Homero escreveu que Menelau, marido de Helena de Tróia, naufragou nesta baía a caminho de casa, quando voltava da Guerra de Tróia.

 Praia em Mátala

30/04 Caminhada pela cidade. Vista da praia e do penhasco de arenito, da sacada do hotel. Saída às 12h para Kómmos (praia do outro lado do penhasco). Seguimos para Gorthys (caminho de Mátala para Heráklion), onde tiramos retratos da Igreja de São Tito, onde o apóstolo foi enterrado. O interior da igreja é ornamentado com imagens dedicadas a um deus egípcio. Seguimos para Heráklion, onde hospedamos no Hotel Petra. Fizemos um citytour.

01/05 Saída para Águios Nikólaos às 11h. Após o almoço, visita à Igreja de Águios Nikólaos, ao norte, no terreno do Minos Palace Hotel e onde há também uma caverna da baía.
Seguimos para Paleókastro. No meio do caminho, fizemos uma parada em Sitía, onde visitamos o Palácio Zakros.
Paleókastro é o ponto extremo a leste de Creta. Ida a praias lindas.

02/05 Compra de tickets para retorno a Atenas por cruzeiro. Ida a Knossos, de ônibus. Retratos do monumento dedicado ao chifre do Minotauro (que habitava no labirinto do Palácio de Knossos), dos seus vasos funerários, afrescos de dois meninos lutando boxe e de um jovem pescador que foram preservados pela lava do vulcão mantendo a cor. No porto de Atenas, Piréus, visita à praça com muralhas venezianas. Embarque no cruzeiro, previsto para as 21 horas, só ocorreu às 0h 30 min de 03/05.

03/05 Chegada do cruzeiro a Atenas às 13 horas. Acomodação no hotel em Plaka. Ida ao comércio.

04/05 Espera pela passagem do Papa João Paulo II por 3 horas na rua do hotel. Em vão. Ida ao mercado. Saída à noite para tomar café em Hydra.

05/05  Ida de trem à missa celebrada pelo Papa, num campo de basquete, em Piréus. Saída à noite para uma volta e para tomar café.

06/05 Aniversário de Álvaro. Ida à Catedral Católica Romana para uma missa por intenção do aniversariante. Visita ao Museu Nacional de Arqueologia que reunia peças espalhadas pela cidade, já que durante a II Guerra Mundial o valioso acervo foi disperso e até enterrado para ser protegido de possíveis danos. Reabriu em 1946 e após 50 anos de trabalho fez jus à fantástica coleção. Ali são exibidas 7 coleções principais de escultura: Neolítica e Cicládica, Micênica, Geométrica e Arcaica, Clássica, Romana e Helenística; coleções de cerâmicas e afrecos de Thirá. Há também outras coleções menores que merecem ser vistas. Aí se incluem a coleção de jóias Eléni Stathátou e salas egípcias.  Máscara de Agamemnon, em ouro. Cavalo e pequeno jóquei e Poseidon em bronze. Vasos de figuras vermelhas e negras do século VI e V a.C.. Vasos funerários geométricos de 1000 a.C.. Almoço e café no bairro chique de Kolonáki.

07/05 Compra de pacote para Santorini e Mykonos. O pacote incluía translado, hotel, barco, café da manhã, para 3 noites em Santorini e 3 noites em Mykonos. Visita à fortaleza Rocca al Mare, no porto de Atenas, Piréus. Saída do porto às 19 horas, com atraso de 1 hora, no navio Express Athina (empresa Hellas Ferries).
Nas palavras de famoso poeta grego, "a Grécia fica no mar" ². Essa sua referência provavelmente se deva à quantidade de ilhas gregas. Ao todo, são mais de três mil ilhas, das quais apenas duzentas são habitadas. Quase sempre ensolaradas, cercadas de mar azul, normalmente com temperaturas agradáveis e água cristalina, as ilhas gregas desfrutam de um status privilegiado. Visitar a Grécia sem ao menos um passeio por algumas delas seria algo impensável. O acesso a elas pode se dar pelo mar ou pelo ar. Centenas de embarcações têm linhas regulares, ligando o continente às ilhas. Quase todas zarpam do famoso porto de Atenas, chamado Piréus. Essas embarcações podem ser tradicionais, rápidas, básicas ou luxuosas, para atendimento dos moradores locais e dos turistas. Aviões são a mais rápida opção para quem não tem tempo a perder e não se importa de pagar um pouco mais.

08/05 Chegada a Santorini às 8 horas. Hospedagem no hotel em Firá. Aluguel de carro por 3 dias. Almoço num restaurante em Kaptepádos. Visita a Oía (pronuncia-se Ía). Primeira vista do vulcão. Muitos becos e restaurantes à beira do abismo. De acordo com a lenda, esta cidade é assombrada por vampiros. Estradas tortuosas. É o 3º porto da ilha de Santorini e centro comercial importante, antes de ser arrasado pelo terremoto de 1956. Em Ía, visitamos ainda a igreja de São Jorge.
Ilha de Santorini


09/05 Ida a Kamari, Thirá antiga e depois Perissa, para conhecer a praia de areia preta. Compra de passagem para Paros e de lá para Mykonos por ser barco de alta velocidade.
Praia de Perissa
À noite, ida a Akrotíri, para visitar o sítio arqueológico, de onde vimos o por-do-sol. Após a erupção vulcânica de 1866, arqueólogos franceses descobriram lá potes minóicos. Mas foi o professor Spyrídon Marinatos, que, escavando em 1967, descobriu a cidade completa. Ficou enterrada sob toneladas de cinza por 3500 anos. Subimos a um lugar alto, donde avistamos os restos arqueológicos de uma caverna. Foi nesta ilha que se descobriu o afresco dos 2 meninos boxeadores e do jovem pescador que foram preservados pela lava do vulcão, tendo sido mantida a sua cor. Muitas outras peças estão no Museu Nacional de Arqueologia de Atenas.
Escavações em Akrotíri

10/05 Saída para um passeio de teleférico, que vai até o porto, ao nível do mar, onde se embarca para citytour ao vulcão e passeios de barco. A vista do alto é uma das mais lindas já vistas. Há uma igreja católica no topo do penhasco.
Sobre a nossa estada em Firá, Santorini, gostaria de relatar algo curioso que presenciamos. Havia, defronte ao hotel em que nos hospedamos, as ruínas de um prédio de três andares embargado, certamente por ter sido construído em local inapropriado e por ter avançado na praia, além do limite para construção de casas. Algum turista muito esperto escreveu nas suas paredes externas, em letras garrafais maiúsculas, algo como um provérbio que despertou a nossa atenção:
ANYONE CAN DIG A HOLE. IT TAKES A MAN TO NAME IT HOME.
Depois soube que esse é o título, com uma leve variante (Anyone can dig a hole but it takes a real man to name it home ³) de uma música da banda Underoath de Tampa, Flórida, no álbum Lost in the Sound of Separation.

Ida ao porto às 15 horas para embarque às 16h 15 min com destino à ilha de Paros. Navio chiquíssimo. Com destino a Paros, parou na ilha de Íos para descida de passageiros. Por fim, chegada a Paros às 21 horas. Hospedagem em hotel. Conhecimento dos becos próximos ao porto.

11/05 Embarque para Mykonos às 11h 15 min em barco de alta velocidade. Duração da viagem: 45 minutos.  Acomodação no hotel. Aluguel de carro por 3 dias.
Mykonos é uma das ilhas mais procuradas e badaladas, e, ao mesmo tempo, uma das mais caras, fazendo parte das ilhas cicládicas. Essa ilha é demandada especialmente por artistas e por quem gosta de dança, música e vida noturna. Outra particularidade de Mykonos é sua fama de capital gay da Grécia.
Passeio de carro até Moní Paleókastrou, onde vimos o mosteiro do século XVII. Vista de uma ruína com uma capela construída ao lado. Ida às praias de Paradise e Ághios Stéfanos.

12/05 Em Mykonos, visita a Áno Meriá, onde fomos a lindo monastério de Panaghia Touliani com seus lindos ícones cretenses, do século XVI, dedicado à protetora da ilha. Sua torre de mármore foi esculpida por artesãos de Tinos. Ida à praia de Kalafonates e, após Fteliá, onde há um hotel de pedra. Ida à praia de Eliá (azeitona ou oliveira). Visita à Watermania.
Mykonos é um emaranhado de ruelas com casas brancas em forma de cubos, um labirinto de ruelas estreitas para desafiar o vento e o ataque dos piratas. Possui um porto.  Perto do porto fica a Praça Mavroguénous, onde está o busto da revolucionária heroína Mantó Mavroguénous. Ela recebeu a patente de general pela vitoriosa batalha contra os Turcos em Mykonos, na Guerra da Independência em 1821.
Heroína Mantó Mavrogénous

O mascote da ilha é Pétros, o pelicano.
Em Mykonos há 365 igrejinhas rememorando os pescadores que iam para o mar e não voltavam. Hoje é mania a decoração dos quintais para batizados, casamentos e outras festas.

13/05 Ida à Pequena Veneza. Ida aos moinhos e bares à beira-mar. Ida às praias de Psárou e Platys Gialos. Missa numa igreja da Pequena Veneza.

14/05 Retorno à praia de Psárou. Caminhada pela praia. Ida à praia de Ornos. Caminhada pela praia de Kanália e Ornos. Seguimos para Ághios Ionnis, com suas muitas tavernas tradicionais. Embarque para Atenas às 15 horas. Hora prevista para chegada em Atenas: 21 horas. Chegada com atraso de uma hora.

15/05 Visita à Praça da Constituição (Platía Sindágmatos), em frente ao Parlamento grego, para assistir à troca da guarda.
Ida à Acrópole.  Entrada principal ("Propileus") para o Teatro de Herodes Ático (utilizado para o Festival de Atenas). 
Propileus e Teatro de Herodes Ático

Acrópole: vista do Párthenon (em cima) e Propileus e Teatro de Herodes Ático (embaixo)

O Párthenon, edifício mais famoso do mundo, foi encomendado por Péricles como parte do programa de obras, tendo sido iniciado em 447 a.C., para cuja construção do templo dórico dedicado a Atena, a deusa protetora da cidade, o escultor Fídias foi encarregado de supervisionar. 
                Párthenon original e a estátua da deusa Atena, de ouro e medindo 

        nove metros de altura, conforme idealizados por Fídias


Reconstrução do frontão leste do Párthenon, segundo desenho de K. Schwerzek
Em menor escala, os outros templos da colina são o Erectéion e o de Atena Níki (dedicado a Atena da Vitória), a oeste do Propileus.

Pórtico das Cariátides: colunas feitas de estátuas de mulheres foram usadas no lugar das colunas no pórtico sul do Erectéion. As originais foram substituídas por cópias, mas quatro delas estão no Museu da Acrópole.
Ao fundo da Acrópole há o Templo de Zeus Olímpico.
Visita ao Santuário de Hécate.
Museu da Acrópole: Abaixo do nível do Párthenon. Inaugurado em 1878, foi reconstruído depois da II Guerra Mundial para acomodar somente o acervo dedicado aos achados da Acrópole.
Estátua da deusa da fertilidade: Hera.

16/05 Saída para o Peloponeso às 15 horas. Primeira escala: Ida a Corinto para conhecer o famoso canal.
Canal de Corinto


17/05 Segunda escala: Corinto antigo. Impressionante a fachada das 2 fontes da Agorá, o templo romano ou templo da imperatriz Otávia, colunas do arcaico templo de Apolo. Museu. Fonte Glauce e Peirene.
Ida ao Museu de Corinto, em que praticamente todas as estátuas tiveram suas cabeças decepadas. Vista dos portões do forte da Acrópole, que está a 575 metros de altitude. Há aí a capela de Ághios Demétrius na fortaleza de Corinto. Ida para Náfplio, primeira capital da Grécia. Visita à fortaleza de Náfplio e ao castelo no mar: Brutzi. Ida para Argos, onde visitamos o castelo de Larissa e monastério.

18/05 Visita ao Palamídi Castle que é a parte mais alta da fortaleza de Náfplio. Ida ao Museu de Náfplio. Ida a Micena. Parada em Thiryns para ver as muralhas ciclópicas (pedras gigantescas). Não se encontrou até hoje explicação para o tamanho das pedras. Ida ao túmulo de Thólos de Thiryns, cujos vasos estavam no museu de Náfplio.
Continuação da viagem para Micena. Porta do Teatro de Atheus, o mais preservado dos túmulos. Portão dos Leões na entrada para a Acrópole de Micena. Círculo do Sepulcro ou cemitério real da família Atreides. É constituído de muralhas ciclópicas da época da civilização micênica. Vista parcial de escavações no local com pedras ciclópicas.
Volta a Argos para visita ao Museu. Monastério de São Pedro.
Ida a Epidauro ou Epídavros (como dizem os Gregos). Visita ao Teatro de Epidauro (163 degraus e 12.600 lugares). O famoso anfiteatro fica ao lado do santuário dedicado aos deuses Asclépio e Ártemis. Tudo isso não fica muito longe de Náfplio no Peloponeso. Sobre o anfiteatro: trata-se de um dos mais fantásticos anfiteatros do mundo, no formato do ouvido humano, com perfeita e imbatível acústica.
Teatro de Epidauro
 Sobre o teatro de Epidauro, encontra-se na Infopédia a seguinte referência: 
"A arquitetura grega mantém, no essencial, as suas características clássicas desde o final da Guerra do Peloponeso até à conquista romana. O único elemento original introduzido neste período foi a remodelação dos teatros, construções muito importantes para a cultura grega, amante da arte da representação.
Os teatros, construídos ao ar livre, passam a ser planeados de uma forma racional, adotando uma estrutura regular. Até ao século IV a.C., o teatro era apenas um auditório, implantado numa encosta, preferencialmente côncava, servida por bancos de pedra. A partir deste momento a rocha é escavada em hemiciclo, o que permite criar filas de bancadas concêntricas com intervalos regulares. O espaço central do teatro, de formato circular, era reservado para a atuação do coro.
O teatro de Epidauro, construído no século IV a.C. (c. 350 a.C.), é um belo exemplar deste tipo de construção grega. Neste caso podem ser observados alguns vestígios de um grande compartimento, possivelmente utilizado como uma estrutura de suporte do cenário.
O teatro faz parte da estação arqueológica de Epidauro, um local classificado Patrimônio Mundial pela UNESCO."

Sobre o museu e o santuário, ao lado do anfiteatro, observamos que se conservam nos seus recintos os utensílios e "aparelhos" utilizados para as "operações médicas" que ali eram praticadas. Também estão expostas muitas estátuas, lamentavelmente sem cabeça.
Ali se pode ver também exposto o Juramento de Hipócrates, em grego antigo.
Asclépio (ou Esculápio, em latim) é o deus da Medicina e da cura da mitologia greco-romana. Não toma parte no Panteão das divindades olímpicas, mas acabou por se tornar uma das divindades mais populares do mundo antigo, tanto que Apuleio disse dele: "Æsculapius ubique" (Esculápio está por toda parte). A sua imagem permanece viva e é um símbolo presente até hoje na cultura ocidental.
Estátua de Asclépio no museu do Teatro de Epidauro

19/05 Partida com destino a Keramídi e Kosta. No caminho, visita às ruínas do antigo Teatro de Demos em Epidauro (pequeno teatro).
Parada em 9 cavernas, com destaque para Didyma Cave. Visita à capela no interior da caverna. Hospedagem em Porto Helliá. Ida ao porto de Kosta, mas os taxis marítimos para a ilha de Spetses custavam muito caro. Resolvemos ir de ferry-boat (muito mais barato) no dia seguinte.

20/05 Ida a Hydra (uma das ilhas situadas no Arquipélago Argo-Sarônico)  de ferry-boat. Saída às 9 horas e duração de 45 minutos. Linda a vista parcial do porto de Hydra, do alto. Exposição de pintura. Visita ao Museu Lázaros Koundouriotis Mansion localizado no porto. Visita à entrada do Mosteiro da Assunção da Virgem Maria. Tentativa de subir o caminho costeiro que leva à conhecida praia de Mandraki, mas houve desistência no caminho pela dificuldade de atingi-la e, consequentemente, volta à praça. O acesso às praias de Hydra é feito por barcos, por ficarem em locais desprovidos de estradas. Casas brancas, flores, mar cristalino, muitos barcos e muitos, muitos gatos...
A denominação de Hydra dada a essa ilha foi em referência às fontes de água que lá existem. Na Guerra da Independência a ilha de Hydra contribuiu com 130 navios para a esquadra grega e serviu como um dos principais portos de abastecimento dos Gregos.
Às 16 horas, tomamos um barco para Spetses. Duração da viagem: 45 minutos. Compra da passagem para Porto Helliá. Caminhada até a Faculdade. Monumento da mulher mais tradicional da ilha, Laskarina Bouboulina (1771-1825), que tornou-se almirante e ameaçou os Turcos com sua embarcação "Agamenon" e seduzia os homens à mão armada. Ela foi morta com um tiro em 1825 disparado pelo pai de uma moça que fugira com o filho dela. Laskarina Bouboulina é homenageada na ilha, tendo um museu particular e monumento em praça pública.

Pintura a óleo de Laskarina Bouboulina no Museu Histórico Nacional, de Atenas.
Tomamos um taxi marítimo para a ilha de Kosta.
Em seguida, tomamos um táxi terrestre para Porto Helliá.

21/05 Citytour na cidade. Saída para Tebas. Entrada em Dídimo, procurando cartão postal das cavernas. Nada feito! Entrada em Epidauro para compra do postal. Nada também! Entrada em Tebas. Na sequência, seguimos para Delfos (conhecida desde a Antiguidade como "Umbigo do Mundo"), uma moderna cidade grega muito conhecida por seu sítio arqueológico . Visita ao templo da deusa Atena, deusa sob cuja proteção estava também a cidade de Atenas. Deixamos para o dia seguinte a visita  ao templo de Apolo, onde ficava o famoso oráculo de Delfos que respondia aos questionamentos apresentados pelos reis, e o museu. 

22/05 Visita às ruínas de Delfos, no monte Parnaso, na Fócida. Ruínas do Templo de Apolo. O famoso templo era rodeado de várias capelas, chamadas de "tesouros", depositários de ex-votos e oferendas das cidades-estado gregas, para comemorar vitórias dedicadas ao deus ou para agradecer benefícios alcançados. Os vândalos foram cristãos no século V. Esses saquearam tudo e tiraram os olhos do deus, que eram de ônix, marfim, prata e rubi. Fundiram-nos. Todos os tesouros foram saqueados e derretidos, sendo os mais ricos o Tesouro de Atenas, hoje o único restaurado, e o Tesouro de Sifnos.
Importância de Apolo: deus vinculado a uma supremacia feminina (Pythía ou pitonisa, etimologicamente derivada de Python, animal que se arrastava sobre a terra. Originalmente era um poder que vem da terra. O altar dedicado a Apolo talvez tenha sido devotado originalmente a Rea, sua mãe, divindade que representa a terra.) Essa pitonisa era mulher que todo 7 de fevereiro predizia qualquer evento futuro. Uma só mulher para esta finalidade. Com o tempo foram necessárias 3 mulheres, devido à multidão que passou a visitar o templo. Era uma mulher de mais de 50 anos, casada e com passado irrepreensível. Passos da pitonisa:
1º) Banhava-se numa fonte;
2º) Andava por um caminho sagrado que ainda existe;
3º) Entrava num aposento cheio de gases que vinham de dentro da terra;
4º) Ela devia prever olhando para o buraco dentro da terra e emitir as predições numa língua complicada de cima de uma pedra que ainda existe;
5º) Um grupo de homens faziam a transcrição do que ela dizia em forma de versos.
Lembrando: Apolo é filho de Zeus com Réa (Mãe Terra). A capacidade de previsão é da mulher. Foi esta uma época em que a mulher desempenhou um papel importante na sociedade.
O culto de Apolo está relacionado com a Mãe Terra. Apolo é o deus da clareza, raciocínio, eloquência, filosofia, artes, inclusive a música.
Fizemos ainda visita à fonte no estádio de Delfos. Ida ao ponto mais alto de Delfos: 550 metros de altitude.
De Delfos enxerga-se a cidade de Itéa, à beira-mar. Delfos fica a uma altitude de 550 metros. Descida para Itéa. Citytour à beira-mar. Ida para Chalkída.

23/05 Saída com destino a Piréus. Ida do porto para Atenas.

24 e 25/05  Descanso em Atenas.

26/05 Final da viagem. Retorno ao Brasil.



III.  NOTAS DO AUTOR



¹  De acordo com recente investigação científica objetivando decifrar o Disco de Festós, já foi possível decifrar 95% das inscrições no disco, usando os valores fonéticos de escritura micênica Linear B (mediante a minóica Linear A e os "hieroglíficos" minóicos), graças aos trabalhos desenvolvidos por Dr. Gareth Alun Owens, do TEI-Technological Educational Institute of Crete, e John Coleman, professor de Fonética da Universidade de Oxford, que utilizaram como referência a decifração da escrita Linear B por Michael Ventris e puderam comprovar que indubitavelmente se trata de um texto religioso, possivelmente dedicado à Deusa Mãe da Creta minóica, escrito em língua minóica, muito semelhante aos textos religiosos provenientes do Santuário do pico do Monte Yuktas, próximo a Knossós. Os resultados de suas investigações foram apresentadas em 30 de novembro de 2012, comemorando o 99º aniversário da união de Creta com a Grécia em 1913, celebrada anualmente em 1º de dezembro. O Disco de Festós, exibido atualmente no Museu Arqueológico de Heráklion, é uma peça arqueológica de argila cozida e com inscrições em ambas as faces, datada do final da Idade do Bronze, foi descoberta em 1908 durante as escavações no palácio minóico de Festós, no sul de Creta. (Cf. http://www.panoramagriego.gr/2012/12/el-disco-de-festos-se-descifra.html e http://www.teicrete.gr/daidalika/)

²  Esta referência se deve à quantidade de ilhas que formam o que ficou popularmente conhecido por "Ilhas Gregas". Este conjunto é formado pelas ilhas do Golfo Sarônico, do Golfo Argólico, do Mar Egeu do Norte, do Egeu do Leste, do Dodecaneso e do mar Jônico, as ilhas cicládicas, as ilhas Esporades, e a maior de todas, Creta. Ao todo são mais três mil ilhas. 

³  Trad.: Um buraco qualquer um pode furar, mas é preciso um verdadeiro homem para aquilo ser chamado de casa.

  Fonte: http://www.infopedia.pt/$teatro-de-epidauro

 As pesquisas arqueológicas em Delfos começaram em 1860 pelos Alemães. Em 1891, o governo grego deu autorização à Escola Francesa de Atenas para fazer escavações no sítio a longo prazo. Foi então a aldeia de Kastri removida para permitir a denominada "Grande Escavação", que pôde então fazer a descoberta de vestígios espetaculares, incluindo cerca de três mil inscrições de grande importância para se conhecer a vida pública na Grécia Antiga.



IV.  AGRADECIMENTOS




Gostaria de registrar aqui minha gratidão a Emma do Carmo Parentoni Lanna de Oliveira por ter registrado, em linhas gerais, as atrações turísticas e impressões que nos trouxeram as localidades visitadas na Grécia, durante nossa viagem, e por ter cedido seu diário de bordo para a redação desta crônica de viagem. 

terça-feira, 10 de junho de 2014

CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DO DR. ALTAIR JOSÉ SAVASSI (1914-2003)


Por Francisco José dos Santos Braga




Tive a subida honra de comparecer em Barbacena, na qualidade de Sócio Correspondente da ABL-Academia Barbacenense de Letras e Secretário Especial para Relações Institucionais do IHG-São João del-Rei, à comemoração do centenário de nascimento do saudoso PROF. ALTAIR JOSÉ SAVASSI, patrocinada pela Academia Barbacenense de Letras, no dia 25 de abril p.p. Em reunião muito concorrida na EPCAr-Escola Preparatória dos Cadetes do Ar, com a presença da viúva Déa Arlete Sad Savassi e de familiares do homenageado, os membros da Academia e a sociedade barbacenense se fizeram presentes para homenagear um de seus maiores vultos, numa demonstração clara de seu apreço pela memória de seu benfeitor. Na ocasião, foi proferida pelo Acadêmico José Silvério Ribeiro a "Apologia de Altair José Savassi". Desde 24 de outubro de 2013, membro efetivo daquele Sodalício anfitrião, Silvério Ribeiro demonstrou profundo conhecimento da vida e obra daquele que o precedeu como ocupante da Cadeira nº 2 e cujo patrono é AMÍLCAR SAVASSI (1876-1973), pai do homenageado.

Resta difícil enumerar os predicados que ornaram a fronte de Altair Savassi, tantos foram os seus trunfos e conquistas nos seus 91 anos bem vividos em prol de sua municipalidade. Mesmo assim, em breves palavras, coube a Silvério Ribeiro, autor da referida monografia, enumerar e descrever as grandes realizações do seu biografado ¹
"(...) Altair José Savassi obteve o bacharelado em Direito pela Universidade de Minas Gerais (1935). Foi delegado de Polícia e Delegado Especial (1938), angariando respeito. Lecionou por muitos anos no Ginásio Mineiro de Barbacena (1947), na EPCAR (1949) e na Escola Agrícola de Barbacena (1947). Era meticuloso e organizado por natureza. Montou importante núcleo bibliográfico, contendo valiosa hemeroteca, se analisado isso for pelos padrões brasileiros. 
É de sua autoria várias obras, destacando-se como marco inicial o Resumo Histórico do Município de Barbacena (1954), fruto de uma conferência que proferiu dois anos antes, acerca das comemorações do aniversário da cidade, trabalho esse que foi base para uma posterior publicação de vulto, intitulada Barbacena - 200 Anos, em dois volumes (1991). Membro efetivo da Academia Barbacenense de Letras (sócio fundador, 18-12-1977), da Academia Municipalista de Letras (BH), da Academia de Letras de São João del-Rei (29-01-1978), Academia Anapolina de Filosofia, Ciência e Letras (30-10-1985) e do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (BH). 
Altair José Savassi foi um notável defensor de Alberto Santos Dumont (1873-1932), como atestam seus artigos produzidos para o Anuário da ABL, e manteve com o pesquisador Oswaldo H. Castello Branco (1906-1997) marcante polêmica sobre o sítio em que o Pai da Aviação teria nascido. Recebeu a Medalha Santos Dumont oferecida pelo Governo de MG (23-10-1980) e a Medalha e o Diploma de Mérito Santos Dumont, do Ministério da Aeronáutica (17-06-1987). 
Entre outras contribuições, a partir de sua coleção de jornais e por um trabalho paciente de análise de periódicos por ele empreendido, foi possível se completar as lacunas dos primórdios da História de Barbacena, no que tange aos poderes constituídos de então, e todo o seu acervo serviu de alicerce para a criação, em 2003, do Arquivo Histórico Municipal que também leva seu nome.
(...) Na sede da Câmara Municipal de Barbacena, para se comemorar o aniversário da cidade, Altair José Savassi organizou a exposição de exemplares de alguns jornais antigos de sua coleção; tal iniciativa teve repercussão em todo o Estado de Minas Gerais. (...)"  


O Presidente concedeu a palavra ao Dr. Paulo Roberto Maia Lopes, Vice-Presidente da Academia, o qual trouxe excelente contribuição à biografia do Prof. Altair Savassi, nos seguintes termos aqui reproduzidos:

"A EMANCIPAÇÃO DA VILA DE BARBACENA  NA ESTRUTURA DO REINO UNIDO DE PORTUGAL E ALGARVES - 14 DE AGOSTO DE 1791
O professor Altair José Savassi (1914-2003), historiador e pesquisador, autor de diversos livros sobre a história de Minas e de Barbacena, defendia sempre a tese de que a data comemorativa do aniversário da cidade de Barbacena deveria ser fixada no dia 14 de agosto, em lugar do dia 9 de março, como vinha sendo feito de longa data.
O dia 9 de março referia-se ao ano de 1840, quando a vila de Barbacena foi elevada a cidade. Argumentava, com bem fundadas razões, o mestre Savassi, apoiado por outros intelectuais de renome, que a data a ser festejada como de nascimento de Barbacena como entidade autônoma era o dia 14 de agosto de 1791. Foi quando o antigo Arraial da Igreja Nova da Borda do Campo ganhou da rainha de Portugal, D. Maria I, a Piedosa, o foral de Vila, com os privilégios inerentes: entre outros, o direito de eleger sua própria Câmara de Vereadores e erigir o pelourinho, símbolo da nova dignidade. Foi também a data em que recebeu o nome atual de Barbacena, em homenagem ao então governador e capitão-general da Província das Minas Gerais, Luís Antônio Furtado de Castro do Rio de Mendonça e Faro, 6º visconde e 1º conde de Barbacena (1754-1830).
No ano de 1990, quando a cidade se preparava para comemorar o sesquicentenário de existência, liderou o professor Savassi, com o apoio da Academia Barbacenense de Letras, da qual era membro fundador, e, sobretudo, de seu presidente vitalício, Plínio Tostes de Alvarenga, uma campanha para que o erro histórico fosse reparado. Com o respaldo da administração municipal da época (prefeito Vicente Araújo e vice-prefeito Amarílio de Andrade, também acadêmico barbacenense), foi proposto e aprovado pela Câmara Municipal projeto de Lei oficializando a data de emancipação de Barbacena em 14 de agosto de 1791. As festividades, antes previstas para 1990, tiveram lugar no ano seguinte, com a celebração do bicentenário da cidade, mantendo-se também o título conferido à vila por D. Pedro I em 1822, de 'Mui Nobre e Leal', pela ativa participação que tivera no movimento pela Independência do Brasil." 

Importa aqui relembrar as qualidades e características que ornaram a fronte do grande intelectual barbacenense, em particular. Além disso, ao mesmo tempo, vou servir-me de uma outra citação, desta vez do poeta Honório Armond (1891-1958), prefaciador do Resumo Histórico do Município de Barbacena ², da autoria do Prof. Altair Savassi, que em 1952 escreveu para o leitor formar uma ideia do historiador rigoroso, metódico e imparcial que foi e fez escola na "Cidade das Rosas" ³

"Um inteligente e brilhante ex-aluno e hoje caro colega — Altair Savassi — deu-me o fácil e amável encargo de escrever algumas palavras sobre o interessantíssimo trabalho que aqui vai a público e que, apesar da modéstia de seu autor e de sua aparente simplicidade se reveste de muita importância como ensaio histórico de clara e marcante relevância. Altair Savassi tem a fibra de um historiador, pois que nele sobram as qualidades maîtresses de quem faz História: curiosidade, paciência, imparcialidade e faro para separar o trigo opulento da palha leve e inútil..."

A coordenadora do Arquivo Histórico Municipal Professor Altair José Savassi, Edna Maria Resende, publicou interessante matéria intitulada "Centenário de nascimento de Altair José Savassi", em blog da Associação Cultural do referido órgão, onde se lê

"A leitura de sua riquíssima obra não deixa dúvidas sobre a sua atividade de maior relevo: o professor, o aviador e o sapiente homem de letras Altair José Savassi será lembrado como historiador e memorialista, acima de tudo. Incansável em suas perambulações por cartórios, arquivos, bibliotecas, reunindo depoimentos, acessando fontes primárias, algumas hoje desaparecidas, Altair Savassi mergulhou de corpo e alma na pesquisa histórica e deixou um legado invejável às novas gerações de pesquisadores.
Indiscutivelmente, a obra do professor Altair Savassi é imprescindível a todo historiador que, hoje, se proponha a reconstruir a história de Barbacena e região, resgatando seu posicionamento no cenário mineiro e nacional e contribuindo para o preenchimento das lacunas que marcam a história local em Minas Gerais."

E para concluir esta breve resenha de apreciações abalizadas do trabalho legado pelo Prof. Altair Savassi, vejamos finalmente a crítica feita pelo cronista do "Estado de Minas", José Clemente (pseudônimo do jornalista mineiro Moacir Andrade), publicada naquele jornal de Belo Horizonte, em relação à 1ª edição do Resumo Histórico do Município de Barbacena, prefaciado pelo poeta Honório Armond :
"VIDA SOCIAL 
História de Barbacena
Tratamos, há dias, aqui, da "Notícia de São João del-Rei", do sr. Augusto Viegas. Acentuamos, então, a utilidade de trabalhos dessa natureza, para conhecimentos mais profundos da História de Minas, através da história particular de seus municípios. Entretanto, são poucas as obras feitas com a preocupação de instruir e, portanto, produtos de pesquisa honesta.  
Vêem-se muitos "álbuns" de municípios. Neles, entretanto, pouca cousa se salva como boa informação histórica, merecido a desconfiança para a consulta ou referência. São trabalhos, até muitas vezes bonitos, vistosos, mas editados com propósitos apenas de lucro material e destinados ao pavoneamento de administradores episódicos das comunas. 
Recebemos agora, editado pela Prefeitura de Barbacena, um modesto folheto sobre aquele grande e próspero município, com um resumo de sua história. Um pouco da história da imprensa barbacenense, desde o aparecimento, em 1836, do primeiro jornal da terra até os nossos dias, e informações estatísticas sobre o município atual.  
É seu autor o sr. Altair José Savassi, barbacenense inteligente e culto e que, sobretudo, ama a sua terra, o que é essencial aos que se entregam a tais iniciativas, que exigem muito devotamento. Trata-se de um resumo histórico do município, isto é, de uma condensação de episódios marcantes da história de Barbacena que é muito ampla. Foi uma conferência que o sr. Altair Savassi realizou e uma palestra, evidentemente, não poderia comportar, pela limitação do tempo, um largo estudo histórico, que é matéria para livro. Não obstante esse "enquadramento" a que se obriga o conferencista, o sr. Altair Savassi anotou, cronologicamente, os fatos principais da história de Barbacena, dando de cada um deles notícia fiel, com base em documentos. Pelo que apresenta, vê-se perfeitamente a capacidade do autor. E está muito nítido o seu pendor pelas investigações históricas, o que foi justamente assinalado pelo eminente escritor Honório Armond, que prefaciou o interessante ensaio. Se não estuda os acontecimentos registrados com a amplitude requerida pelo que, em verdade, representaram no tempo (como, por exemplo, a participação de Barbacena na Revolução de 1842), os registros são, entretanto, acompanhados de informações que bem caracterizam a sua importância. O sr. Altair Savassi tem neste seu trabalho, que lhe revela a garra do historiador, uma auto-convocação para escrever sobre Barbacena um trabalho de maior vulto pois talento não lhe falta para a empresa e já lhe é familiar o documentário sobre o assunto. 
O capítulo sobre a imprensa em Barbacena é uma preciosa contribuição para um estudo completo da Imprensa em Minas, trabalho que um dia ainda terá de ser feito." (grifos meus)


NOTAS  EXPLICATIVAS



¹   RIBEIRO, J.S.: Apologia de Altair José Savassi, pp. 8-10.

²  Altair Savassi, como introdução a seu livro "Barbacena - 200 anos", julgou necessária uma explicação ao leitor sobre a obra anterior (de 1952) que ele em 1991 procedia a uma segunda edição, verbis: "Em nove de março de 1952, atendendo a um honroso convite da Prefeitura Municipal, fizemos uma conferência que versou sobre o "Resumo Histórico do Município de Barbacena". Achou o exmo. sr. Prefeito de então, dr. José Edwards Ribeiro, que seria oportuna a sua publicação em folhetos, acrescida de um outro trabalho que havíamos penosamente concluído sobre A Imprensa em Barbacena (sede) e de "Barbacena atual pelos dados estatísticos". (grifos meus)
Tanto a conferência quanto os dois outros títulos são capítulos do volume 1 do livro Barbacena - 200 Anos, que constitui relançamento em 1991 daquele trabalho pioneiro de 1952;.
O que se passou é que, quase quarenta anos depois, já aposentado, foi instado a providenciar "nova publicação, atualizada e um pouco aumentada" daquele trabalho original.
Segundo ele, foram acrescidas àquela obra de 1952 algumas crônicas publicadas na 'Tribuna da Montanha', além de outras notas cuja divulgação julgou ser de interesse, "como subsídios para a História de Barbacena".

³   SAVASSI, A.J.: Barbacena - 200 Anos, pp. 25-26.

⁴  RESENDE, E.M.: Centenário de Nascimento de Altair José Savassi (1914-2003), 13 de abril de 2014 (Cf. http://acahmpas.blogspot.com.br/2014/04/centenario-de-nascimento-de-altair-jose.html)

⁵  SAVASSI, A.J.: ibidem, pp. 17-18.



BIBLIOGRAFIA



RESENDE, E.M.: Centenário de Nascimento de Altair José Savassi (1914-2003), 13 de abril de 2014
(Cf. http://acahmpas.blogspot.com.br/2014/04/centenario-de-nascimento-de-altair-jose.html)
 

RIBEIRO, J.S.: — Apologia de Altair José Savassi, Barbacena: Gráfica e Editora Cidade de Barbacena, 2014, 16 p.
                              — História Econômica do Município de Barbacena, vol I (1889-1930) - Tempos de Esperança, Barbacena: Gráfica e Editora Cidade de Barbacena, 2012, 700 p.


SAVASSI, A.J.: Barbacena - 200 Anos, vol. 1 e 2, 2ª edição, Belo Horizonte: Editora Lemi S.A., 1991, 287 p. e 258 p. respectivamente.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

SMETANA: QUARTETO DE CORDAS nº 1 em mi menor (Da Minha Vida) - Histórico e Descrição pelo próprio autor


Por Francisco José dos Santos Braga
 
Estátua em homenagem a Smetana em Litomyšl 
(Boêmia), sua terra natal


I.  HISTÓRICO DO QUARTETO "DA MINHA VIDA"


Bedřich Smetana (1824-1884), considerado o fundador da escola tcheca de composição e pai da música nacional tcheca, escreveu seu Quarteto de Cordas nº 1 em mi menor (Da Minha Vida) nos últimos meses de 1876, provavelmente para coincidir com a fundação da Sociedade de Música de Câmara em Praga. Naquela época, Smetana já estava completamente surdo há dois anos ¹ e, cercado pelos seus, vivia em reclusão involuntária na casa de campo de sua filha mais velha, Sophie Schwarzová, em Jabkenice. Em 30 de outubro ele anotou em seu diário: "Agora estou escrevendo o quarteto de cordas em mi menor. Já terminei os dois primeiros movimentos; deve consistir de quatro." ²
Em 20 de dezembro ele relatou a seu amigo, jornalista e crítico musical, Josef Srb-Debrnov (1836-1904): "Agora estou terminando um quarteto de cordas, e não quero iniciar nenhum novo trabalho até vê-lo completo, porque minha doença não me permite trabalhar mais do que uma hora de uma assentada. Então eu tenho que descansar, uma vez que o zumbido nos meus ouvidos costuma reiniciar, impedindo-me de continuar meu trabalho. Assim tenho que trabalhar em espaços bastante curtos, evitando qualquer exaustão."

A obra foi completada em 19 de dezembro de 1876 e sua primeira apresentação devia acontecer pelo Quarteto Bennewitz no Salão Konvikt em Praga no dia 19 de fevereiro de 1877, inaugurando o primeiro concerto da Sociedade de Música de Câmara que tinha sido fundada em janeiro daquele ano. Contudo, a première do Quarteto não aconteceu, tendo em vista que os musicistas o rejeitaram sob a alegação de ser supostamente orquestral demais na concepção e tecnicamente inexequível. Só em abril de 1878 é que Josef Srb-Debrnov organizou uma primeira apresentação, em sua casa de Praga. Ele próprio tocou a parte do violoncelo e Antonín Dvorák, a viola. O quarteto foi ouvido em público pela primeira vez num sarau realizado pela divisão musical da Sociedade de Artistas Umělecká beseda, no Salão Konvikt de Praga em 29 de março de 1879 — agora sob o título "Da Minha Vida" que, conforme desejo expresso de Smetana, devia ficar conhecido dali em frente.

Bedřich Smetana (1824-1884)


♧               ♧               ♧ 

Em 2014, quando a cidade Divinópolis comemorava seu 102º aniversário, tive a honra de ser convidado para proferir palestra sobre "A Obra de Bedrich Smetana e de Maurice Ravel", deste modo tomando parte da Programação do Aniversário da Cidade daquele ano. Como se vê no cartaz abaixo, minha palestra teve lugar na sexta-feira, dia 23 de maio de 2014, às 19h30min, no Auditório da FIEMG, conforme a referida Programação.

Cartaz do Grupo Libertas. Antes de sua apresentação, no Auditório FIEMG, 
em Divinópolis, discorri sobre os 2 quartetos constantes do Programa.


II.  DESCRIÇÃO FEITA POR SMETANA SOBRE O SEU QUARTETO


Smetana normalmente se resguardava de expressar-se sobre sua obra. Contudo, no caso do Quarteto de Cordas nº 1, sentia que era recomendável comunicar suas intenções composicionais aos executantes e ao público antes da primeira apresentação da obra. Em 12 de abril de 1878 ele escreveu a Josef Srb-Debrnov: 

"Não era minha intenção escrever um quarteto de acordo com receitas e costumes pré-concebidos. (...) Para mim, a forma de toda obra resulta naturalmente do próprio objeto. Este quarteto também se deu sua própria forma. Foi meu propósito retratar em música o desenrolar da minha vida. 1º movimento: (Allegro vivo appassionato) : queda para a arte em minha juventude, predominância do espírito romântico, o desejo indizível de algo que era incapaz de exprimir em palavras e que absolutamente não poderia imaginar de nenhuma forma específica, mas que era ao mesmo tempo um aviso da calamidade que me aguardava
;

a nota longamente sustentada no Finale surgiu deste começo
;

é aquela fatídica ressonância de sons agudos em meu ouvido que em 1874 anunciou o começo da minha surdez. Permiti-me esta brincadeira, já que era tão funesta para mim. 2º Movimento: Quasi polka : me transporta de volta ao tempo alegre da minha juventude, quando compunha danças que eu apresentava copiosamente para todos meus conhecidos e quando ganhei a reputação de exímio dançarino por meu próprio esforço, etc. O movimento central: Meno vivo, em ré♭ menor é o que os integrantes do quarteto de cordas chamaram de absolutamente inexequível. Na opinião deles, é supostamente impossível obter o necessária clareza das cordas. Observo que, nas notas desse movimento, estou pintando minhas memórias dos círculos aristocráticos nos quais vivi por muitos anos. (...) Penso que esse movimento é a principal razão por que os cavalheiros se recusam a tocar o quarteto; isso pesa mais do que a objeção contra o estilo orquestral.  3º Movimento : Largo sostenuto : é uma reminiscência do meu primeiro amor por uma jovem que depois se tornou minha esposa.  4º Movimento : (Vivace) A descoberta da música nacional e minha alegria em seguir esse caminho até o momento em que foi brutalmente interrompido por nefasta calamidade: início da surdez, a perspectiva de um futuro triste, um leve raio de esperança de que uma melhora poderia advir; entretanto, depois de relembrar os primeiros estágios de minha vida, este é um sentimento doloroso, no final das contas. ³ Este é mais ou menos o conteúdo deste trabalho que, por assim dizer, tem um caráter privado e em consequência foi escrito intencionalmente apenas para quatro instrumentos. Como num círculo de amigos, eles devem entreter-se, um com o outro, a respeito do que tão profundamente me oprime. Nada mais."  
A bem sucedida estreia do quarteto foi seguida pela sua publicação pelo seu editor František Augustin Urbánek, em Praga, em 20 de março de 1880. A impressão da obra ajudou a divulgá-la, e a primeira apresentação estrangeira ocorreu em 15 de maio de 1880 em Weimar graças à iniciativa de Franz Liszt, o qual dois dias depois escreveu carta a Smetana manifestando seu entusiasmo com o quarteto: "Nós ficamos fascinados com seu esplêndido quarteto."


III.  APRECIAÇÕES ABALIZADAS SOBRE O QUARTETO "DA MINHA VIDA"


[CANDÉ, 1994, vol. 2, 164], falando sobre a escola tcheca, diz: "O gênio de Smetana, criador da ópera tcheca e símbolo da independência nacional, nunca foi tão grande quanto em A Noiva Vendida, mas permanece excelente na música instrumental: o ciclo de seis poemas sinfônicos Ma Vlast ("Minha Pátria") e o primeiro quarteto em mi menor são obras-primas. Dvořák, mais popular no exterior, não tem o gênio de Smetana. (...)"

[GENETTE, 2012] considera o quarteto nº 1 de Smetana "obra programática cujos quatro movimentos evocam para o compositor o desenrolar de sua existência. Assim, no primeiro movimento Allegro vivo appassionato, relembra o ardor de sua juventude ao fazer adivinhar o destino que o aguarda: a nota mi do final figura o assovio que anunciava a surdez. O Allegro moderato alla polka retorna à animação da juventude, ao prazer da dança e à lembrança das danças thecas compostas. Seguem então os amores do compositor num Largo Sostenuto apaixonado. O Vivace terminal exprime a alegria de ter sabido criar uma linguagem musical nacional e de constatar o sucesso que isso engendra. O finale enervante é bruscamente interrompido por um silêncio no qual vem ressoar a nota mi no agudo. Smetana descreve então a instalação da surdez e a angústia que ela faz nascer nele. Nós recebemos deste quarteto as confidências íntimas de um homem privado de sua arte, de seu poder de criação."

[PAHLEN, 1965, p. 180] observa que "grande contraste com essa obra (ciclo de seis poemas sinfônicos, "Minha Pátria") constitui o seu belíssimo quarteto de cordas, "Da Minha Vida", tranquilo e comovente quadro psicológico.
A vida de Smetana foi triste, e admirável foi a energia, que fêz com que vencesse tôdas as dificuldades e seguisse, sem hesitar, o seu caminho. Em virtude da tendência nacionalista dos seus primeiros trabalhos, tornou-se suspeito às autoridades austríacas que trataram de suprimir qualquer veleidade de separatismo tcheco; o pior, todavia, foi para êle a incompreensão do seu próprio povo. No estrangeiro, só um homem o compreendeu, Liszt, que pressentiu sempre a grandeza.
Smetana, em 1856, abandona a terra natal e fixa-se na Suécia. Mas como se o seu espírito continuasse a trabalhar na pátria, ocorre ali uma transformação: o povo inteiro contribui para a construção de um teatro nacional tcheco. E Smetana, que o sonhara por tão longo tempo, é nomeado primeiro diretor. Em 1866, dá-se a solene inauguração. São poucos, contudo, os anos felizes de Smetana, pois o acomete e aniquila a tragédia de Beethoven e a de Schumann: surdo desde 1874, morre louco em 1884. (...)"


IV.  NOTAS EXPLICATIVAS


¹  Smetana, primeiro grande representante do nacionalismo tcheco e considerado pela crítica tcheca como o mais nacional dos compositores tchecos, conhecido sobretudo pelos seus poemas sinfônicos e óperas, costumava aproximar-se da música de câmara apenas em períodos de crise existencial profunda, como na ocasião da morte da sua filha Bedřiska (1855) — com o Trio para violino, violoncelo e piano em sol menor Op. 15 —, ou neste ano de 1876 — com o Quarteto nº 1 em mi menor. Esse quarteto, intitulado "Da Minha Vida" pelo autor, surgiu precisamente em seguida ao fato de sua surdez ter sido declarada irreversível em 1874.

² Os documentos citados aqui e abaixo estão localizados no Museu Nacional - Museu Tcheco para Música - Museu Bedřich Smetana, Praga; os escritos de Smetana estão originalmente em língua tcheca.

³  Smetana, no quarto movimento de seu quarteto, simboliza o início de sua doença, a dor e a catástrofe com uma nota de violino em uma posição extremamente alta (mi ⁵), indicando que o músico parece ainda não estar familiarizado com essa passagem fatídica de sua vida. Os movimentos anteriores do quarteto falam de épocas mais felizes de sua existência: a atmosfera romântica, a exuberância da juventude, o amor pela sua esposa Katerina, o fulgor das danças tchecas e a tomada de consciência da importância do nacionalismo musical tcheco.

  O caráter autobiográfico do quarteto está atestado explicitamente nesta carta a Srb-Debrnov, onde o compositor relata com algum detalhe seus sentimentos e reminiscências várias que povoam a partitura. Smetana foi pioneiro neste experimento, que pode ser considerado o primeiro quarteto autobiográfico da história da Música.
As três últimas sentenças da carta são uma recomendação final do compositor aos quatro membros do quarteto de cordas engajados na sua interpretação: eles devem manter uma conversação amável, como se usa num grupo de amigos, a respeito das reminiscências e da dor do compositor.

⁵  Na época, Smetana obteve uma importância ridiculamente pequena de seu editor, sendo incapaz de prever que sua obra viria a ser considerada um dos quartetos de cordas mais famosos de todos os tempos.
V.  BIBLIOGRAFIA CANDÉ, R.: História Universal da Música, São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1994, vol. I (629 p.) e vol. II (507 p.). GENETTE, Anne: Smetana: Quatuors à Cordes nº 1 et 2 / Sibelius: Quatuor à Cordes nº 4 (Cf. http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:5jbYt6Ld1-oJ:www.lamediatheque.be/mag/taz/classique/fevrier_2012/quatuors.php+&cd=6&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br)
PAHLEN, K.: História Universal da Música, São Paulo: Edições Melhoramentos, 1965, 5ª edição, 382 p.
POSPÍŠIL, Milan: Prefácio, Praga, outono de 2010 (Cf. http://www.riveramusica.com/archivosAdicionales/Prefacio3984.pdf)